Dois Mundos e Duas Humanidades
Por Aleksandr Dugin
Aparentemente, nossa geopolítica já está consolidada.
Já se passaram 20 anos desde a primeira edição do livro Fundamentos da
Geopolítica, que lançou as bases para a construção da geopolítica nacional
eurasiana: o vácuo ideológico que flagelava nossa compreensão acerca de nossa
própria posição na esfera geopolítica naquela época foi preenchido pelo
Eurasianismo. Antes disso, o mundo era por nós mensurado por meio de conceitos
ideológicos (o campo socialista vs o capitalismo). Porém, mesmo depois que tal
dualismo foi abandonado, permaneciam incompreensíveis os motivos que levavam a
OTAN a continuar se expandindo para o Oriente, afinal, “já havíamos nos tornado
liberais”.
Perdemos pontos de referência e, no início dos anos 90, a
geopolítica se tornou altamente relevante, de modo que, através dela, parte da
nossa elite (ao menos a militar) encontrou ferramentas para explicar a guerra
dos continentes.
A geopolítica pode ser entendida de diferentes formas. Carl
Schmitt falou sobre o significado metafísico e filosófico dos conceitos de
Civilização da Terra e Civilização do Mar. Tratam-se dos conceitos básicos da
geopolítica, que não consistem apenas em ferramentas de análise estratégica,
mas, acima de tudo, em perspectivas profundas acerca das civilizações.
Nos fundamentos da geopolítica há uma camada densa formada
por elementos espirituais, civilizatórios e culturais. E a própria civilização
(o Poder da Terra e o Poder do Mar) é, simultaneamente, uma descrição destas
duas ordens sociais. Lembremo-nos do neoplatônico Proclo, que descreveu a
geopolítica de Atlântida (no relato de Platão de Atlântida, a civilização marinha)
em contraposição a uma civilização mediterrânea (a Grécia, o mundo
helenístico).
Paralelamente, o sociólogo Zygmunt Bauman introduziu o
interessante conceito de Sociedade Líquida: uma sociedade fluida, instável, em
estado líquido. Tal conceito diz muito sobre o estado de coisas na era moderna,
em que a sociedade é desprovida de estratificação social, ordem, limites,
certezas, onde tudo flui de um lado para o outro: a sociedade financeira, das
redes, virtual, que flui de uma identidade para outra. Geopoliticamente, esse
estado corresponde ao que se entende por Atlantismo. Mas se estendermos essa
compreensão ao contexto do Poder da Terra, será possível falar também de uma
Sociedade Sólida.
Se o líquido corresponde ao elemento aquático, então o
sólido diz respeito a uma sociedade solidificada e forte, fundamentada em
princípios concretos. E existem constantes em tal Sociedade Sólida: joint and
several liability, a reprodução das estruturas ao invés de sua dissolução. Por
conseguinte, a Sociedade Líquida, contrariamente, fundamenta-se em mutações –
novos iPhones, novas tecnologias, mudança de sexo, de residência, de confissão,
de interesses. E na medida em que se caracteriza como uma “sociedade fluida”, é
a “sociedade solidificada” que lhe fará oposição. Dois mundos, duas
humanidades.
Hoje, a contradição geopolítica entre Terra e Mar se projeta
não apenas sobre a geopolítica das relações internacionais (que inclui a Rússia
e os globalistas), mas em uma decisão interna no nível da moralidade pessoal:
onde estamos situados, na Sociedade Líquida ou na Sociedade Sólida? Não importa
onde vivamos: quando me deparo com a liquidez infame da sociedade americana,
com seus gritos odiosos, performances feministas e transgêneros destruindo
monumentos, escolho me situar ao lado desses monumentos que, neste caso,
representam a Sociedade Sólida (embora, aparentemente, eles me sejam alógenos e
inapropriados).
A Sociedade Líquida é uma meta-ideologia. Você pode estar
banhado em sua repugnância e apoiá-la também a partir a Rússia. E no que tange
à Sociedade Sólida: os guardiões do Poder (moral) da Terra são nossos aliados,
de modo que a geopolítica torna-se, neste sentido, um problema moral. Não se
trata apenas de um método de análise da situação internacional, mas também de
uma questão de escolha moral. E você tem o direito de escolher – mas a
responsabilidade será sua.
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