Encontro com Heidegger: um convite para uma jornada


encontro com heidegger um convite para uma jornada

Por Alexander Dugin

O pensamento e suas autoridades

Martin Heidegger é, em grande medida, um autor fundamental. Ele pertence a uma das figuras da história do pensamento que são inevitáveis. Muitas coisas podem ser omitidas, consideradas opcionais, lidas no lazer. Mas há algo que exige um estudo cuidadoso e completo. Sem tal estudo, nossas noções [представления; noções, visões, conceitos, ideias; este termo será considerado explicitamente e em detalhes abaixo; até então, é geralmente traduzido como noções] sobre pensamento, filosofia, [e] a história da cultura será defeituosa, incompleta, fragmentária e, portanto, não confiável.

Heidegger é indispensável para quem vive no mundo de hoje, na Rússia de hoje, e tenta ao menos de alguma forma fundamentar o fato de sua disponibilidade [наличия], presença [присутствия]. Na maioria das vezes, é claro, não precisamos falar de presença: afinal, “presença” significa etimologicamente “estar perto da essência” [быть при сути; a palavra “суть” mais tarde assumirá um significado especial; até que o autor efetue essa mudança explicitamente, ela será traduzida como “essência”], mas quem agora está “perto da essência”? Mas talvez possamos pelo menos refletir sobre a disponibilidade? Mesmo aquele que levanta uma questão sobre sua disponibilidade, mas ligeiramente não pode ignorar Heidegger.

É impossível pensar e, em particular, pensar sobre a própria disponibilidade, sobre si mesmo, sobre o mundo, sobre a vida e a morte, sem contar com uma ou outra escola de pensamento. Se não sabemos qual sistema filosófico está na base de nosso pensamento, isso não significa que não exista tal sistema. Certamente existe um: afinal, nossos pensamentos e noções vêm de algum lugar. Se prestarmos atenção ao conteúdo de nossa própria consciência, fizermos um inventário aproximado dele, podemos notar que uma coisa nela é de Platão, outra de Aristóteles, uma terceira está em consonância com o ensino de Descartes, uma quarta com a dialética de Hegel; alguns pensamentos são tirados do arsenal da teologia, alguns do marxismo; em algumas coisas, a influência de Kant é aparente, e em algum lugar brilha um fragmento do nietzscheismo. O fato de a filosofia não nos atingir diretamente, não imediatamente, mas por meio de centenas de ecos meio anônimos – na escola, na família, na sociedade, na mídia, na educação, nas conversas cotidianas e na cultura de consumo desarticulada – nada muda.

Parece-nos que pensamos, mas tal ilusão surge apenas da ignorância ou de uma educação deficiente. Precisamos apenas começar a trabalhar em nós mesmos para que fique claro que citamos constantemente, e na maioria das vezes, aquelas fontes cuja existência não suspeitamos. Precisamente por essa razão, qualquer pessoa que deseje pensar honestamente começará com uma determinação das autoridades e sistemas de referência de pensamento em filosofia, ciência e arte.

Uma pessoa pensante é sempre um filósofo. Um filósofo sempre pertence a alguma escola de pensamento: ou segue a filosofia religiosa, ou é kantiano, ou hegeliano, ou liberal, ou marxista, ou freudiano, ou positivista, ou nietzschiano, ou estruturalista, ou um defensor da “filosofia de vida”, ou um solipsista, ou um existencialista, ou um materialista, ou um darwinista, etc. Em casos muito raros, um filósofo é capaz de realizar uma síntese interessante e original de diferentes escolas; e ainda mais raramente, com lacunas nos séculos, aparecem aqueles pensadores que abrem novos caminhos e, na verdade, abrem novos horizontes para o resto da humanidade. São grandes pessoas, que marcam os marcos do pensamento de toda a humanidade; e os lembra por séculos e os honra.

Aquele que compreende os grandes [pensadores] e assume uma das posições filosóficas possíveis garante para si o status de um filósofo, uma entidade pensante em pleno desenvolvimento [существо]. E aqui está a honestidade mais importante: é preciso, em primeiro lugar, curvar-se diante de uma autoridade (mesmo que também com um “pensamento secreto” de posteriormente derrubá-la) e pensar em si mesmo e no mundo no salão interno de grandes ideias e teorias. Aqueles, também, que se esforçam pela originalidade de uma vez e a qualquer custo, não são mantidos por muito tempo na filosofia; seu lugar é o mercado.

Heidegger: Grande ou o Maior?

Entre os grandes pensadores, dois lugares podem ser reservados para Heidegger, dependendo de como o olhamos, em que grau o estudamos e quanto acreditamos nele. No mínimo, Heidegger é o maior pensador contemporâneo, entrando na constelação dos melhores pensadores da Europa desde os pré-socráticos até os nossos tempos. Nesse sentido, eles o chamam de “príncipe dos filósofos”. Mesmo aqueles a quem sua filosofia deixa indiferentes ou que discordam dela reconhecem sua grandeza indiscutível. Heidegger é universalmente reconhecido como um grande filósofo da história mundial. Ninguém contesta isso seriamente, mas alguém passa calmamente, apoiando-se em outras tendências da filosofia, enquanto alguém responde com vivacidade à sua mensagem, usando seus termos (“Dasein”, “existencial”, “Angst”, etc.) e se permitindo ser levado por seus pensamentos.

Um lugar diferente, especial e exclusivo na história da filosofia que pode ser reservado para Heidegger deve ser reconhecido no caso de confiarmos plenamente em Heidegger, mergulharmos em seu pensamento e torná-lo nossa autoridade máxima. Em outras palavras, Heidegger no espaço do heideggerianismo será essencialmente diferente de Heidegger na história média e convencional da filosofia. Neste caso, Heidegger se revelará não apenas como um grande filósofo, a par dos outros grandes, mas como o maior de todos, ocupando o lugar do último profeta, concluindo o desenvolvimento da primeira etapa da filosofia (de Anaximandro a Nietzsche) e servindo de transição, de ponte para uma nova filosofia, que só antecipa nas suas obras. Nesse caso, Heidegger é revelado como uma figura escatológica, como o intérprete final e esclarecedor dos temas mais profundos e enigmáticos da filosofia do mundo e o criador de um pensamento radicalmente novo. Nesse caso, ele pode ser visto como uma figura do panteão religioso, como um “enviado do próprio ser”, um profetizador e preparador do maior acontecimento, em que terminará a velha história do mundo europeu e uma nova, que nunca foi até agora, vai começar.

Parece-me que a segunda abordagem é mais produtiva para uma verdadeira compreensão de Heidegger (ainda que em algum momento, em um futuro distante, ela seja revista). Ele permite uma imersão total e completa no pensamento de Heidegger, sem tentativas apressadas de interpretá-lo por meio de apelos a outras autoridades (e aos seus traços separados em nossa consciência) e permite que Heidegger nos comunique sem obstáculos o que ele pretendia comunicar. E só depois de aceitar esta mensagem em suas características principais e acreditar em seu significado e inevitabilidade é que se pode, se necessário, distanciar-se dela.

Quase não é necessário que todos se tornem heideggerianos para sempre, mas este pensador justamente merece que se lhe dedique um tempo intelectual significativo, o suficiente para poder dizer, com uma leve nota de apreensão na voz, “parece que estou entendendo algo nele “. Para alguém, isso levará anos; para outra pessoa, décadas. Alguém escorregará em seus primeiros passos. Mas a experiência vale a pena. Estudando Heidegger, estudamos filosofia em seu estado contemporâneo. É precisamente desse tipo e não há nada que se oponha a ele.

Heidegger é importante não apenas para filósofos profissionais – para eles ele é simplesmente indispensável: um filósofo contemporâneo que não conhece Heidegger parece ridículo. Mas ele é significativo também para aquelas pessoas que aspiram a uma competência mínima em questões de cultura: para humanistas, políticos, artistas, psicólogos, sociólogos; todos os que, por chamado do coração ou obrigação do destino, têm relação com o destino do homem, da humanidade, da sociedade e da história.

M. Heidegger na URSS: uma estante distante das coleções especiais e a vã diligência de Bibilhin

O legado de Heidegger no contexto da língua russa é um fenômeno profundamente peculiar. Em primeiro lugar, os trabalhos e ideias do filósofo, suas posições intelectuais e paradigmáticas, foram transportados no período soviético para os compartimentos ideológicos mais perigosos e inaceitáveis, colocados nas seções mais distantes e fechadas das Coleções Especiais e, em última análise, foram imputados ser “por assim dizer inexistente”. O interesse por Heidegger foi considerado um crime gnoseológico ou uma busca absolutamente fútil. Pouca atenção foi dada até mesmo a uma crítica às ideias de Heidegger. Assim, Heidegger, como também muitos outros filósofos não marxistas, fechou-se para a filosofia soviética tardia (para não falar do soviético inicial). Ele foi lido, traduzido e discutido “underground”, o que deixou vestígios na qualidade dessas leituras, traduções e discussões.

No entanto, um grupo de filósofos soviéticos, que reconquistou o direito de se envolver em leituras críticas de Heidegger, liderado pelo falecido VV Bibikhin, o fundador da escola heideggeriana tardia soviética, reuniu-se, e desse pequeno círculo veio a maioria das traduções existentes, muitas das quais foram feitas ainda na era soviética e circularam no samizdat.

Sem duvidar da sinceridade desses entusiastas, devemos notar que seu trabalho de tradução e grau de penetração em Heidegger se mostraram totalmente insatisfatórios. A dificuldade das condições ideológicas, o acesso limitado às fontes, a especificidade de sua formação filosófica, as limitações do conhecimento filosófico e, em geral, a inadequação do espaço social soviético tardio para a expansão do pensamento de Heidegger são responsáveis pelo fato de que podemos, sem arrependimento, despedir-nos dos folhetos intelectuais produzidos por este círculo, se não quisermos lutar para sempre com as quimeras de uma época histórica tão niilista que de certa forma não pode ter fim até aos dias de hoje.

Parece que Bibikhin e seu círculo de pensadores afins foram de fato veementemente cativados por Heidegger, mas além dessa veemência, não há nada nas traduções ou exposições de Heidegger. É totalmente impossível lê-los, uma vez que esses textos comunicam muito sobre os estados, esforços e sofrimentos do próprio Bibikhin e de seus colegas tradutores, mas não dizem praticamente nada, além de coincidências acidentais, sobre Heidegger, ou dão o quadro que se apresenta. cabelos em pé. Se aceitarmos esses textos como uma tradução correta de Heidegger, teremos de admitir um tanto rapidamente, com pesar, que o próprio Heidegger não entendeu o que dizia e escrevia.

Heidegger como o mais ocidental de todos os filósofos ocidentais

A segunda circunstância conectada com o legado peculiar de Heidegger no contexto de língua russa consiste no fato de que Heidegger é um elo fundamental precisamente da filosofia ocidental-europeia e corresponde em [sua] lógica interna precisamente ao seu desenvolvimento. Portanto, ele é em geral inteligível para o filósofo da Europa Ocidental, que se orienta livremente na taxonomia de ideias e teorias da cultura da Europa Ocidental. Para compreender Heidegger, é preciso ser, no mínimo, europeu; como o próprio Heidegger constantemente enfatiza que pensa na Europa, na Europa e para a Europa, entendendo-a como um todo histórico-filosófico e civilizacional particular.

O marxismo dogmático e o meio intelectual russo, que foi muito confundido tanto na última década da URSS como hoje, se cruzam com os principais desenvolvimentos da humanidade da Europa Ocidental de uma forma muito fragmentada, episódica e tangencial. Nós nos consideramos europeus e nos assemelhamos a eles em algumas coisas (aparência externa, fenótipo, linguagem, religião, sistema sócio-político, etc.). Mas a filosofia destaca as diferenças: o pensamento é o domínio em que é mais difícil enganar ou manipular o estado de coisas e, nessa esfera, há muito pouco em nós da Europa Ocidental. Se estiver, é como uma caricatura. Mas é mais provável que estejamos lidando com um tipo peculiar de pensamento russo, ainda pouco conhecido por nós mesmos; para não falar agora das peculiaridades de outras culturas.

Em certo sentido, a filosofia de Heidegger compreende a quintessência do pensamento ocidental: é mais profunda, mais central e ao mesmo tempo mais ocidental do que no caso de outros pensadores europeus aos quais é mais simples penetrar (embora também não seja simples).

Uma leitura calma, medida e precisa de Heidegger, com a preservação da própria dignidade – esta, talvez, seja a prova mais séria para um diálogo russo-europeu.

Heidegger e a metalinguagem da nova filosofia

E, finalmente, a terceira coisa: Heidegger conscientemente coloca diante de si a tarefa de estabelecer uma nova linguagem da filosofia, uma espécie de metalinguagem. Isso emerge de uma filosofia específica da linguagem (Sprachphilosophie), que ele elaborou em paralelo com o desenvolvimento geral de seu pensamento. A essência desta abordagem consiste em:

em desmantelar a influência sobre a linguagem e suas estruturas da filosofia e metafísica da Europa Ocidental (com sua lógica, gramática, ontologia implícita, etc.); isto é, na rejeição de uma exposição de termos filosóficos no contexto daquela metalinguagem que a filosofia da Europa Ocidental elaborou e sancionou ao longo de seus dois mil e quinhentos anos de história; em um retorno às palavras (em vez de termos, categorias, conceitos) e seu significado original, extra filosófico, sua etimologia, seu próprio conteúdo pré-lógico e pré-metafísico; na elaboração de uma nova metalinguagem para uma nova filosofia, que será construída a partir de palavras que profetizam [вещающих] sobre o ser, diferindo radicalmente em trajetória da comunicação do discurso filosófico anterior.

O nível dos textos heideggerianos exige grandes esforços até mesmo de um filósofo europeu completo (em geral, de um europeu pensante) e apresenta dificuldade significativa para os leitores de língua alemã. Mas apresenta uma dificuldade ainda maior para os portadores de outras línguas europeias.

A questão da correta interpretação e traduções adequadas de Heidegger foi resolvida na filosofia europeia ao longo de todo o século XX, o que deu origem a uma espécie de “dicionário heideggeriano”, com o qual os filósofos operam com o auxílio de uma série de traduções, cada nuance que apresenta um tema para discussões separadas. Não apenas filósofos, mas também filólogos, historiadores, estudiosos da antiguidade e psicólogos estão envolvidos na compreensão e tradução de Heidegger, pois a dificuldade de compreender Heidegger não é um problema técnico, mas uma questão da escolha de uma virada radical no caminho de Filosofia ocidental, à qual Heidegger convocou. Traduzindo, interpretando e comentando sobre Heidegger, os europeus participam dessa virada. As complexidades surgem na tradução de seus textos para o francês ou inglês, não menos do que na tradução para o russo, mas por quase um século as melhores mentes da Europa lutaram com esse problema, começando por aqueles que o leram e tentaram entendê-lo no original. como um dos primeiros (por exemplo, Jean-Paul Sarte, muito obrigado ao primeiro Heidegger, inclusive também em nome de sua filosofia, “existencialismo”).

Silêncio de Heidegger

Ao conhecer Heidegger, não podemos omitir também a circunstância histórica de que de 1920-1940 ele pertenceu à escola filosófico-ideológica da “Revolução Conservadora” (junto com pensadores eminentes como E. Junger, F. Junger, O. Spengler, O. Spann, C. Schmitt, A. Moeller van den Bruck, W. Zombart, F. Hielscher e outros). Por se oporem ao Nacional-socialismo de Hitler e repudiar o racismo, o primitivismo e a brutalidade de sua propaganda populista, esses pensadores foram forçados a cooperar de uma forma ou de outra, não apenas por considerações de sobrevivência em um regime totalitário, mas também por causa da semelhança superficial de alguns dos slogans do Terceiro Reich com o complexo de ideias conservadoras revolucionárias, às quais, por exemplo, foram atribuídos os seguintes:

O romantismo político e o idealismo da nova Alemanha; A ideia da necessidade do regresso da Europa às raízes, à Tradição e ao mito; O imperativo de uma guerra simultânea com o liberalismo (Inglaterra, os EUA) e o marxismo (a URSS) como com duas expressões do mesmo niilismo axiológico (pragmático em um caso e proletário no outro); um diagnóstico nietzschiano da doença humanística da Europa e da necessidade de um “novo heroísmo”, etc.

Nas décadas de 1930 e 1940, Heidegger criticou abertamente aqueles aspectos do Nacional-Socialismo que considerava errôneos do ponto de vista de sua filosofia. No livro “Introdução à Metafísica” em particular, Heidegger escreveu: “Aquilo que hoje é lançado no mercado na forma da filosofia do Nacional-Socialismo não tem relação com a verdade e grandeza desse movimento, associado à compreensão de as conexões e correspondências entre a humanidade contemporânea e a técnica globalmente determinante, e os peixes nas águas turvas dos “valores” e das “totalidades” [1]. Deve-se mencionar que o termo “Nacional-Socialismo” surgiu na Alemanha para a designação de uma das escolas de pensamento “conservador-revolucionário” muito antes de Hitler chegar ao poder e, particularmente, antes da formulação do nazismo como ideologia, que só depois foi usurpado pelos teóricos racistas do círculo de Hitler.

É evidente que Heidegger pensou o Nacional-socialismo por meio das ideias conservadoras-revolucionárias do trabalho político de Ernst Junger, “The Worker” [2]. Nele, o Nacional-Socialismo é apresentado como a resposta da humanidade contemporânea da Europa Ocidental ao desafio da época da modernidade, [a resposta] consistindo na libertação paradoxal, pelo domínio da técnica, da “morada do fundo”, do “elemental “, solo titânico da entidade humana. De acordo com E. Junger, no moedor mecânico da guerra moderna, com ataques de gás e a trituração de tanques de lagarta, o europeu do século 20, perdendo rapidamente seu legado cultural que se evaporou, estava voltando heroicamente, apesar de tudo, aos impulsos humanos básicos, consistindo na vivência dos laços com os camaradas (“socialismo de linha de frente”) e um sentido agudo da nação como um projeto voltado para o futuro (“nacionalismo”). O “nacional-socialismo” e a “mobilização total” de E. Junger apelou às raízes existenciais do europeu no lado oposto da xenofobia mesquinha, do chauvinismo e especialmente de qualquer tipo de racismo. Esse nacional-socialismo foi mais cedo europeu do que alemão, mais humanista do que estadista, mais existencial do que totalitário e ideológico. Heidegger considerou as ideias de Junger inteiramente adequadas e supôs a princípio que o nacional-socialismo era capaz de evoluir na direção da “Revolução Conservadora”.

Tendo inicialmente exercido uma tremenda influência sobre todo o movimento da “Terceira Via” na Alemanha na década de 1920, o nacional-socialismo de Junger gradualmente entrou em um conflito severo com os dogmas oficiais do nazismo, perdeu-se e foi eclipsado em comparação com os muito menos intelectuais , mas incomparavelmente mais em larga escala (inclusive em suas consequências criminosas) o hitlerismo, que triunfou na Alemanha na década de 1930 e que se apropriou do nome dessa escola de pensamento, distorceu-a e, por muito tempo, senão para sempre, a manchou.

Esse mesmo destino se abateu também sobre o legado ideológico de outros representantes do movimento conservador-revolucionário europeu. A partir da década de 1920, os intelectuais de “direita” e “esquerda” da Alemanha – de Thomas Mann a Oswald Spengler, de Heinrich von Gleichen aos comunistas Wolffheim e Laufenberg, de Arthur Moeller van den Bruck a Carl Schmitt, de Ernst Niekisch a Harro Schulze-Boysen – buscou novos horizontes paradigmáticos, filosóficos e políticos além dos limites do liberalismo, do comunismo dogmático e da velha e estreita tradição conservadora. Eles experimentaram ativamente as combinações mais arriscadas de tradição e revolução, constantes históricas e tecnologias inovadoras, valores religiosos e teorias sociais progressistas. Longe de qualquer tipo de dogmatismo, eles elaboraram muitos ensinamentos, teorias e concepções filosóficas originais. Mas a tragédia de sua situação consiste no fato de que, na esfera da grande política, todo esse amplo espectro de buscas, revelações e intuições passou a ser fortemente associado ao regime totalitário de Hitler após a vitória do NSDAP em 1933. E embora todos esses pensadores gradualmente se mostrassem opostos ao regime de Hitler – da “emigração interna” (os irmãos F. e E. Junger, M. Heidegger, C. Schmitt) à participação direta em atividades antifascistas e no movimento de resistência (E. Niekisch, Harro Schulze-Boysen e outros) – o complexo de suas visões foi por muito tempo um tabu no pensamento político do Ocidente por causa da semelhança superficial e enganosa de suas visões com as declarações políticas da época do Terceiro Reich.

A colaboração formal de Heidegger com os nazistas não durou muito, quando ele cumpriu suas funções como reitor da Universidade de Friburgo e foi forçado a se submeter a alguns decretos da direção oficial [3]. É significativo que Heidegger foi, provavelmente, o único ator cultural de tal calibre (se seu calibre é comparável ao de qualquer outra pessoa), que não se arrependeu nenhuma vez de seu passado depois de 1945. Heidegger estava simplesmente calado, e desde então em sua filosofia o silêncio tem o significado fundamental de uma das dialéticas em que o ser fala de si, então podemos interpretar esse “silêncio de Heidegger” de várias maneiras (como, aliás, com todos os outros aspectos de sua obra), mas certamente filosoficamente.

Graças ao fato de que de 1920 a 1940 Heidegger exerceu uma influência decisiva sobre muitos intelectuais proeminentes que se encontraram em 1945 no campo dos vencedores (desde o marxista freudiano Herbert Marcuse e o comunista Sarte até a ex-aluna e amante de Heidegger, Hannah Arendt, que criticou fortemente todas as formas de totalitarismo e emigrou para os EUA, onde fez uma brilhante carreira acadêmica para si mesma), no contexto filosófico geral o episódio da colaboração com o regime de Hitler, e mesmo o muito posterior “silêncio” do filósofo, foi polidamente esquecido (apesar de o período de 1933 a 1945 ter sido um dos mais produtivos da atividade filosófica de Heidegger). Ninguém além de alguns desordeiros superficiais (como Victor Farias e outros como ele [4]) tocou mais nesse tema. Heidegger significa muito para que o Ocidente o jogue fora, mesmo no caso de seus atos irem além das normas aceitas da moral comum. Os gênios são perdoados por todos.

É evidente que tanto para a URSS quanto para a Rússia liberal-democrática contemporânea, esses detalhes políticos do destino pessoal de Martin Heidegger não contribuíram para sua compreensão adequada e encorajaram um viés de seletividade notórios a respeito de suas ideias e textos (em primeiro lugar, os das décadas de 1930 e 1940).

A Fortuidade dos Sucessos

Por todas essas circunstâncias, Heidegger é para nós hoje uma grandeza quase desconhecida. Se há algo lógico naquilo que foi escrito sobre ele em russo ou na forma como foi traduzido, então isso é, provavelmente, uma coincidência acidental ou uma imitação feliz. Os russos são muito bem-sucedidos na imitação: muitas vezes podemos reproduzir facilmente o que não entendemos de forma alguma e o que permanece interiormente estranho para nós. Nisso está a plasticidade de nossa cultura.

Mas mesmo a tradução automática e mecânica dos textos de Heidegger para o russo pode, em casos raros, produzir um resultado divertido. Existem muitos sucessos entre os heideggerianos russos. Mas, uma vez que sem uma compreensão preliminar de Heidegger, seja no original, seja por meio de traduções adequadas nas línguas europeias, é impossível distinguir o sucesso do fracasso, seria mais útil colocar diante de si a tarefa de construir tudo a partir do zero. Os construtores sabem que é mais caro, leva mais tempo e levanta problemas adicionais para reconstruir um prédio em ruínas do que demolir o antigo e erguer um novo a partir do zero.

Isso é o que está sendo oferecido àqueles que se interessaram, acidental ou conscientemente, pela figura e pela filosofia do maior dos pensadores, Martin Heidegger.

E assim, na medida em que não conhecemos Heidegger, proponho-me a fazer uma viagem em direção a Heidegger, para tentar aproximar-nos dele, à semelhança de Yevgeny Golovin (aliás, um dos primeiros e mais profundos especialistas em Martin Heidegger na Rússia) propôs “aproximar-se da Rainha da Neve” [5].

O Filósofo como [uma] Identidade

Heidegger, como já mencionamos, pensa e se apresenta exclusivamente na corrente e na estrutura da filosofia da Europa Ocidental. Esta observação é extremamente importante para a determinação precisa da posição do pensamento heideggeriano. Por maior que seja a tentação de considerar Heidegger o tipo religioso (como muitos de seus pesquisadores fazem), por mais que o paralelo entre Heidegger e os tradicionalistas com suas críticas à civilização ocidental contemporânea possa sugerir, devemos deixar de lado tanto quanto possíveis semelhantes comparações e, num primeiro momento, familiarizar-nos com Heidegger naquele contexto a que ele pertencia e queria pertencer e no qual ele próprio compreendia o seu lugar e significado.

Heidegger é um filósofo; mais precisamente, um filósofo da Europa Ocidental, encarregado de todo o legado da ontologia e da metafísica da Europa Ocidental, formado por ela, perfeitamente bem orientado nela e familiarizado com suas nuances mais minuciosas. Durante toda a sua vida, Heidegger tentou permanecer dentro do quadro dos axiomas da filosofia da Europa Ocidental, mesmo quando tinha o objetivo de explodir, transformar e subverter esses axiomas. Com o pedantismo alemão, ele prossegue a partir do momento que é convencionalmente pensado como o Início da filosofia da Europa Ocidental, ou seja, dos pré-socráticos, para aquele que é convencionalmente (ou um pouco menos estritamente convencionalmente) pensado como seu Fim; ou seja, para Nietzsche.

Heidegger vê seu próprio lugar nessa cadeia como o momento ideal para toda a filosofia ocidental; assim, todos esses estágios são inteligíveis para ele: cada um deles é dividido em todo um espectro de detalhes significativos e diz muito ao filósofo. Anaximandro, Heráclito e Parmênides são um trio resplandecente de portadores do pensamento pré-socrático; Platão e Aristóteles são o pico mais alto do pensamento grego e os criadores de toda a filosofia e cultura europeia subsequentes. Heidegger considera a Idade Média e a Escolástica Católica apenas um episódio, e a metafísica da Modernidade (de Descartes a Kant, Leibniz, Schelling, Fichte, Goethe e Hegel até Nietzsche e Bergson) a continuação aos seus limites lógicos finais daquilo que os gregos começaram.

Com uma certa aproximação, a filosofia de Heidegger pode ser comparada aos discursos fúnebres de um pastor em um enterro: “O falecido era um homem muito bom; ajudava os pobres; na infância, não tratava mal os mais jovens; ele viveu uma vida digna, trabalhou muito e depois morreu; uma bendita memória para ele. ” E depois o pastor começa a repassar em detalhes os episódios da vida do falecido (“estudou, casou, divorciou, adoeceu, mudou de carreira, aposentou-se, adoeceu de novo …”). A filosofia de Heidegger é um réquiem desdobrado para a filosofia da Europa Ocidental, baseado na presunção de que “algo era”, “algo começou” e “algo terminou”, “foi completado”, “morreu” (ainda vamos chegar à questão de o quê “o começo” significa para Heidegger, o que “algo era” significa – “ser” é para ele o conceito principal – e o que significa “o que era não é mais”.

Heidegger propõe voltar-se para a filosofia da Europa Ocidental, em primeiro lugar, quanto ao que foi, e, em segundo lugar, quanto ao que não é mais, na medida em que o que agora é não é filosofia da Europa Ocidental. Segundo Heidegger, este último termina com Nietzsche. O próprio Heidegger está na fronteira, na linha. É desse mesmo precipício sepulcral abismo [обрыв] que Heidegger conduz sua narração, dedicada àquilo que morreu.

Aqui seria incorreto misturar religião, tradicionalismo ou misticismo. Para Heidegger, apenas a filosofia tem importância decisiva, apenas seus processos e curvas, suas estações e postulados, suas alturas e descidas interessam. Nisto está seu ascetismo peculiar: para enfrentar a crise muito profunda do niilismo contemporâneo, Heidegger não busca pontos de apoio em cultos exóticos, na iniciação ou em doutrinas secretas. Ele corajosamente assume a responsabilidade pelo destino de todo o pensamento da Europa Ocidental em seus aspectos mais ocidentais, baseados no logos, para os quais não se podem encontrar análogos em outras culturas e que compreende a essência [сущность] e o destino precisamente da civilização ocidental.

Pensar com palavras: zonas indo-europeias do pensamento

Para compreender Heidegger, devemos aprender a realizar duas operações, às quais nos conduzem as já mencionadas peculiaridades de seu pensamento. Em primeiro lugar, devemos ouvir com atenção sua linguagem. Heidegger pensa não com conceitos ou categorias, mas com palavras. Não com ideias, não com princípios, não com fundamentos, mas com as raízes das palavras. Seu pensamento é verbal e radical [ou seja, baseado na raiz. A palavra em russo é a forma adjetivada do substantivo “raiz”; корневое]. Isso deve ser levado em consideração ao tocar em seus textos. A sua leitura e compreensão exigem uma certa (que seja uma primeira) preparação linguística e filosófica [8]. Além disso, nós, como o próprio Heidegger no caso da língua alemã, devemos aprender a pensar com as palavras e as raízes de nossa própria língua russa. Portanto, ao ler Heidegger, nós simultaneamente:

Ouça com atenção (as palavras alemãs); Compreender (o significado, a intenção, a intenção do pensamento); Traduzir (procurar correspondências russas em palavras, capazes de transmitir o significado).

A leitura de Heidegger deve se tornar para nós um caminho para nossa própria língua russa como uma linguagem de pensamento, uma linguagem de filosofia. Isso nos coloca um problema sério. O fato é que se dermos uma boa olhada na área de difusão das línguas indo-europeias, veremos que cada grande grupo linguístico tem seus próprios sistemas filosóficos com um aparato mais ou menos desenvolvido, baseado na revelação do significado filosófico das palavras básicas desta linguagem, total ou parcialmente intercaladas com o empréstimo de conceitos de linguagens próximas.

Este também é o caso da cultura europeia, onde existem três grupos linguísticos básicos: grego (incluindo a língua do início da filosofia), latim (em que além do latim entram o francês, espanhol, italiano, romeno e outras línguas) e germânico. Todos os três grupos têm uma linguagem filosófica estabelecida, com uma longa tradição de tradução dos significados básicos. Heidegger quebra essa norma [e] se propõe a introduzir novos significados, ouvindo atentamente as raízes das palavras. Ao mesmo tempo, o trabalho de “quebrar” a metalinguagem filosófica compreende a maior parte de seus textos, dedicados à tradição filosófica europeia, nativa e inteligível para Heidegger.

Este continente de significados europeus, com três bases linguísticas, não é algo evidente para nós hoje. Aprendemos bem latim e grego cada vez mais raramente; [e] não é um fato que tenhamos dominado suficientemente as línguas europeias contemporâneas (pelo menos alemão e francês). Mas isso não seria fatal se tivéssemos pelo menos o esboço de uma linguagem filosófica russa. Traçando um paralelo com significados europeus, iríamos quebrar as velhas significações junto com Heidegger, entendendo o que estamos fazendo, o que estamos quebrando, e construiremos o novo junto com ele, seguindo a trajetória dos destroços e enriquecendo o novo empreendimento com um tesouro. de raízes russas. Assim, em princípio, devemos agir, mas com a exceção de que não temos nada a quebrar, uma vez que nossa cultura não elaborou uma metalinguagem estabelecida da filosofia russa com traduções convencionais de significados europeus. Isso produz alguns problemas.

Para rejeitar a metafísica europeia com Heidegger, devemos entendê-la correta e inequivocamente. Caso contrário, não entenderemos o significado ou a escala de seu filosofar. Este é um obstáculo sério. Antes de esboçarmos uma saída para tal posição, devemos considerar como a questão se posiciona com outras culturas indo-europeias: elas têm sua própria metalinguagem da filosofia?

No caso do Irã indo-europeu, há uma extensa tradição de uma linguagem específica da filosofia, onde raízes propriamente persas são combinadas com um reservatório gigantesco de terminologia árabe, introduzida no curso da islamização. O filósofo e historiador da religião francês Henri Corbin [9] (cujo trabalho foram as primeiras traduções para o francês de fragmentos do livro principal de Heidegger “Sein und Zeit”) em suas numerosas e documentadas obras mostraram a amplitude e o caráter específico do pensamento iraniano, com sua metalinguagem específica, seus próprios significados e suas regras e práticas linguísticas e hermenêuticas particulares. Corbin nos dá uma apresentação extensa e comovente de “Res Iranica”, de “a coisa iraniana”. Heidegger fez quase a mesma coisa em relação à “Res Europeia” [10]. Ainda outra cultura indo-europeia, chamada de hindu, também possui um aparato filosófico extremamente desenvolvido e afiado, baseado no sânscrito. Ao mesmo tempo, o sânscrito pode ser considerado uma espécie de metalinguagem do Vedanta e do ciclo vedanta, enquanto uma escola como a Hindu Mimamsa representa um domínio separado na estrutura da religião hindu, reservado para a sistematização dos sons sânscritos, letras e raízes, suas combinações, etc [11].

Entre as culturas indo-europeias [12], apenas o mundo eslavo, não perdendo em seus parâmetros sociopolíticos, demográficos, territoriais e históricos para o outro grande narod [a noção de um narod, народ, desempenha um papel importante no pensamento do autor e, portanto, foi transliterado, em vez de traduzido com as traduções usuais e imprecisas “povos” ou “nação”. Se pensarmos em um “povo” distinto de um demo e em uma nação distinta de um estado-nação, teremos um sentido preliminar do significado da palavra; no glossário do autor, é dado como um equivalente do Volks alemão de ascendência indo-europeia, não tem sua própria metalinguagem filosófica, que seria algo estabelecido e composto, inequívoco e compreensível para todos que pensam em russo. Isso nos força a refletir sobre o significado de tal anomalia: por que a coisa russa certamente existente (Res Russica) certamente carece de seu próprio logos?

Esforços para preencher essa lacuna foram empreendidos pelos eslavófilos, que procuravam um logotipo russo, e pelos ocidentais, que tentaram transferir artificialmente o logotipo europeu para o solo cultural russo. Seus esforços devem ser apreciados, mas como resultado da revolução bolchevique, eles foram anulados; e “a Rússia filosófica” novamente entrou em uma zona de consciência crepuscular, como em muitos períodos anteriores de sua história, quando tinha tudo o que você desejasse, além de um pensamento filosófico desenvolvido e adequado.

Arrisco sugerir que, entre todas as zonas culturais indo-europeias, a zona russa permanece “ociosa” não por acidente e não por causa de nossa deficiência e atraso. Em outras questões (Estado, economia, tecnologia, ciência, poder militar), somos inteiramente adequados. Simplesmente os russos aguardavam o momento em que chegaria a hora de produzir uma nova filosofia, enquanto rejeitamos a velha metafísica europeia, que nos foi obstinadamente imposta [a nós] do Ocidente, não por tolice, mas expressamente, por não querer participar

nele, nos resguardando e nos preservando para algo mais interessante e importante, para algo mais fundamental. Se esta suspeita for verdadeira, então aguardamos a nossa hora: a velha metafísica europeia desmoronou, e os mais profundos, sérios e responsáveis dos pensadores europeus, tendo atestado este facto, apelam [a nós] a pensar radicalmente diferente. Talvez seja o momento de participar do processo de filosofar real e de desmarcar o tesouro virgem do eslavo, a língua russa para a criação de novos significados e novos horizontes intelectuais, com base na antiguidade russa recém-interpretada [e “compreendida”] [ 13]. Talvez tenhamos ficado “em repouso” precisamente no pressentimento e na expectativa de exatamente essa virada na história mundial do pensamento [14].

Para pensar à noite

Ao mesmo tempo, não devemos perder por um momento de vista a essência profundamente europeia do pensamento de Heidegger. Para Heidegger, Europa e Ocidente são sinônimos e indicam uma forma específica de pensamento filosófico, ser histórico e percurso cultural, que expressam em si a ideia de “noite”. Heidegger enfatiza: “A Europa é um país noturno” (o alemão “Abendland”). A filosofia que lhe corresponde é uma “filosofia vespertina”, uma “metafísica vespertina”. A tarefa da filosofia da Europa Ocidental é “adormecer o ser”. No livro de Heidegger “Die Geschichte des Seyns”, na nota de rodapé da terceira parte, “Filosofia Europeia”, lemos:

 “Der seynsgeschichtliche Begriff des Abendlandes.  Das Land des Abends. Abend Vollendung eines Tages des Geschichte und Übergang zur Nacht, Zeit des Übergang und Bereitung des Morgens. Nacht und Tag.”

“O conceito histórico do Ocidente. O país da noite. Conclusão da noite de um dia de história e transição para a noite, hora de transição e preparação da manhã. Noite e dia.”

“O entendimento Seynsgeschichtliche do Ocidente (a terra da noite). A terra da noite. Noite (oeste) – a conclusão de um dia histórico e a transição para a noite; hora de transição e preparação para a manhã (dia de amanhã). Noite e dia. “[15]

Reconhecendo claramente sua identidade de pensador europeu e europeu, Heidegger, como também, aliás, todos os europeus, não duvida que o caminho do Ocidente, seu “caminho noturno”, expressa a trajetória universal do ser, que todos os narod e culturas seguem, mas onde os europeus vão primeiro; e, assim, eles devem primeiro não apenas descer à noite, mas também ver o amanhecer. Heidegger diz: “Hoje todo o planeta se tornou europeu (ocidental) … Por ‘europeu’ (ocidental) devemos entender não a geografia e não a extensão de influência, mas a história e a primordialidade do histórico nela” [16].

Por “história” Heidegger quer dizer história ocidental; isto é, a história da filosofia ocidental como a quintessência da história, e ele supõe seu momento mais importante “o começo”, a época do surgimento do pensamento filosófico na Grécia.

A equiparação da cultura da Europa Ocidental à [cultura] universal reflete um “racismo cultural”, comum para as pessoas do Ocidente, que era em grande parte característico de Heidegger, também [17]. No entanto, para seu crédito, devemos dizer: ele mesmo nunca errou, acreditando que o Ocidente carrega os outros não “progresso” e “desenvolvimento”, mas niilismo, “deserto”, “esquecimento da questão do ser”, decomposição e morte (todos os encantos da noite).

O Ocidente contemporâneo é universal, mas da mesma forma que a decomposição e a morte são universais. Heidegger viu a forma mais profunda dessa degenerescência no “americanismo”, que ele considerava “planetário” (hoje diríamos “globalismo” e “globalização”). “O planetário é a inversão do início (da filosofia ocidental) na ausência de seu desenvolvimento” [18].

No início de seu caminho noturno, o Ocidente ainda iluminava o mundo para outras culturas com os raios do sol poente. Na última época, “americanismo”, “pragmatismo”, “técnica” e “cálculo” levaram a humanidade apenas à putrefação. Mas nessa putrefação, perversão e inabilidade e niilismo do Ocidente contemporâneo, Heidegger viu significado e significado universal.

 Sendo um pensador do Ocidente, Heidegger pensa todas as noites; ainda mais do que à noite – noturno. Ele vê sua missão resumir toda a tradição filosófica ocidental. Em certo sentido, seus livros são a última coisa que pode ser dita na “linguagem da noite”.

A linguagem de Heidegger não é a linguagem de Heidegger como indivíduo; é o acorde final da língua da Europa Ocidental. Heidegger é o último ponto do pensamento da Europa Ocidental. Ele e sua filosofia não são um caso particular; eles são o destino, o destino (no sentido de cumprimento do que foi dito anteriormente).

“No início da linguagem está um poema”, diz Heidegger. No final da linguagem está a filosofia de Martin Heidegger. E ela quer se tornar o início de uma nova linguagem, um presságio da linguagem da manhã.

Heidegger pensava que nos últimos séculos os alemães, entre todos os outros europeus, começando por Goethe, Leibniz, Kant, os românticos, Schelling, Fichte, Hegel e até Nietzsche, eram os responsáveis pelo mundo (ele chama de “mundo”, die Welt, a totalidade dos seres no todo – das Seiende im Ganze). Dos antigos gregos, ele traça uma linha direta com a filosofia clássica alemã e, mais tarde, consigo mesmo.

Notas:

[1] Heidegger M. Einführung in die Metaphysik. Tübingen, 1953. pág. 202. Publicado pela primeira vez em 1935.

[2] Jünger E. Der Arbeiter. Herrschaft und Gestalt. Stuttgart: Klett-Cotta, 1982

[3] Ele se tornou um membro do NSDAP em 1º de maio de 1933 e permaneceu como um até 1945, apesar de sérias queixas contra seu

dos órgãos oficiais do partido e marginalização gradual no quadro do regime.

[4] Farias V. Heidegger e o nazismo. Filadélfia: Temple University Press, 1989.

[5] Golovin, Y. Uma abordagem para a Rainha da Neve. M., 2003.

[6] Enquanto estudava a filosofia do tradicionalismo por um longo tempo (ver em particular os livros “Pátria Absoluta”,

“A filosofia do tradicionalismo” e “O sujeito radical e seu duplo”), não destaquei o ensino de Heidegger,

embora tenha influenciado minha formação intelectual de maneira mais direta e imediata. Minhas visões, minha visão de mundo, são

endividado com a filosofia de Heidegger apenas um pouco menos do que com as ideias de Guenon. Heidegger faz parte do nosso

cosmovisão, nossa teoria política, nossa filosofia; ele é uma condição sine qua non. Heidegger não é menos fundamental do que Guenon. Mas

ele é outro. Uma comparação de Heidegger e Guenon não deve ser realizada com muita pressa. Devemos dominar completamente

Guenon separadamente e Heidegger separadamente. E então – só então! – devemos pensar no que eles se sobrepõem (e no que eles diferem). É incorreto interpretar um do outro. Na minha opinião, J. Evola em seu “Ride the Tiger” (M. 2005) cometeu o erro de uma interpretação muito apressada e superficial de Heidegger a partir de posições tradicionalistas (generalizadas, guenonistas), onde ele apresenta excessivamente errado e de maneira distorcida As ideias e terminologia de Heidegger, e ainda menos profundamente, e até mesmo ingenuamente, as críticas.

[7] O alemão “Abgrund”, ou seja, “abismo”, um termo muito importante para a filosofia de Heidegger, originalmente significava precisamente

“precipício”, “declínio vertical abrupto”, “abismo”.

[8] Nietzsche chamou uma de suas obras de “Nós Filólogos” (Nietzsche F. Collected Works. V. 3 T. 3. M: REFL, 1994). A leitura da filosofia de Heidegger é assunto precisamente para “filólogos” no sentido nietzschiano.

[9] Corbin H. A Luz da Glória e o Santo Graal. Literatura xiita do Graal. Sufismo e Sophia. O sentimento musical da religião islâmica. http://www, fatuma.net/corbin/corbin00.htm. Também por Corbin: The Man of Light in Iranian Sufism.// A montanha mágica. 1998. No 1; História e misticismo persa. A filosofia profética e a metafísica do ser. M., 1985.

[10] Levando em consideração que Corbin falou aos europeus sobre o pensamento iraniano, enquanto Heidegger falou aos europeus sobre

sua própria tradição.

[11] Fora do contexto indo-europeu, igualmente bem desenvolvida é a terminologia filosófica da Cabala Judaica

(onde os sons, as formas das letras e o significado das raízes básicas são interpretados) ou esoterismo islâmico, baseado no árabe

e o livro sagrado dos muçulmanos, o Alcorão.

[12] Como potências paradigmáticas e filosóficas no tecido geral da cultura indo-europeia, permanecem na sombra

também “civilizações abortivas” (na terminologia de Toynbee), como a celta, a letto-lituana (incluindo a prussiana), a frígia

(incluindo seus descendentes, os romanos), e também as civilizações desaparecidas dos minoanos, pelagianos, hititas,

Tocharianos, citas, sármatas. É possível que a reconstrução de sua mensagem filosófica ainda aguarde sua hora.

[13] V. V. Kolesov tem um trabalho brilhante sobre as raízes e o significado das palavras russas antigas e sua evolução (V. V.

Kolesov. Rus antigo: o legado da palavra. SPB., 2000.)

[14] As palavras de R. Guenon e H. Corbin, que metodologicamente nos ajudarão a entender o que precisamente nos esforçamos para

descobrir no legado geral dos eslavos, agora cosmos russo-eslavos, possuem um significado fundamental para o

realização desta tarefa

[15] Heidegger M. Geschichte des Seyns (1938/1940). Gesamtausgabe. Bd. 69. Frankfurt am Mein: Vittorio Klosterman, 1998. pg. 6

[16] Heidegger M. Uber den Anfang. Gesamtausgabe. Bd. 70. Frankfurt am Mein: Vittorio Klosterman, 2005. pg. 107

[17] Assim como seu professor E. Husserl. Para Husserl, a questão “se a humanidade europeia carrega em si o absoluto

ideia, seja empiricamente um tipo antropológico fixo, semelhante a como são os residentes da China ou da Índia; nesse caso,

se a europeização de outros narods é uma evidência do significado absoluto entrando no significado do mundo e é

longe da falta de sentido histórica? “é puramente retórica; claro,” a humanidade europeia carrega em si a ideia absoluta “

(Husserl E. The Crisis of European Sciences and Transcendental Phenomenology. SPB., 2004). Heidegger também pensou

Da mesma forma. Implícita ou explicitamente, praticamente todas as pessoas do Ocidente têm certeza disso.

[18] Heidegger M. Uber den Anfang. Op. cit. pág. 107

 

Fonte: http://www.4pt.su/en/content/encounter-heidegger-invitation-journey

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