As Raízes da Identidade
Por Alexander Dugin
Para que analisemos
mais corretamente uma série de novas tendências políticas relacionadas ao
crescimento do fator identitário, sugiro a seguinte abordagem metodológica, que
explica os três níveis da identidade coletiva nas sociedades:
1. Identidade difusa:
A maioria esmagadora dos membros de uma sociedade possui
este tipo de identidade como uma percepção vaga, geralmente subconsciente, da
unidade de pertencimento a um povo, uma história, um Estado, uma linguagem e
religião. A identidade difusa quase nunca domina a vida cotidiana, sendo
secundária, ou mesmo terciária, em relação à identidade individual. É comum que
aqueles que possuem uma identidade difusa deem prioridade ao próprio
"eu", ao conforto, aos sentimentos e à segurança seguido pelos de
familiares e amigos – e somente depois vem um vago entendimento a respeito de
sua pertença a uma determinada sociedade ou povo (ao invés de a outro). Em
circunstâncias normais, a identidade difusa não requer ações específicas e é
percebida de maneira fraca: seus portadores podem até não ter noção de seus
conteúdos e estruturas.
Ela só emerge em casos excepcionais: guerras, conflitos,
cataclismos políticos ou, às vezes, sob a forma de uma vitória da pátria em
eventos desportivos ou em alguma outra conquista significativa. A identidade
difusa não impulsiona a pessoa a pertencer a um determinado partido e pode se
exprimir através de cosmovisões e de ideologias muito distintas.
2. Identidade
extrema:
Tal forma caracteriza aqueles que priorizam a identidade
coletiva: eles não só sentem-na de forma aguda, como também tentam
compreendê-la e moldá-la. Os portadores da identidade extrema forjam ideologias
patrióticas ou nacionalistas (identitárias), situando a identidade como o mais
alto valor e usando-a como base para programas e projetos políticos. A
identidade extrema é construída sobre a variante difusa, mas enfatiza só alguns
aspectos, de forma intensa e bastante exagerada. Consequentemente, aqueles que
possuem uma identidade difusa muitas vezes não conseguem se reconhecer nos
portadores da variante extrema: as estruturas são diferentes. Ao exacerbar
certos aspectos da identidade difusa, os portadores da identidade extrema (os
"nacionalistas") muitas vezes perdem de vista ou distorcem outros
aspectos da identidade.
A identidade difusa é natural e orgânica, enquanto a
identidade extrema é artificial, construída e mecânica. A identidade extrema é
mais comum durante períodos de perturbação coletiva, desastres nacionais,
guerras, etc.
3. Identidade
enraizada:
A terceira forma de identidade coletiva é um paradigma
intelectual consciente, uma forma de identidade que passa por uma difusão na
medida em que se projeta sobre as massas. Se a identidade difusa é o produto de
uma disseminação, a identidade enraizada é o que é disseminado: o coração do espírito
de um povo, o hieróglifo da história, o centro existencial do Ser de um povo e
de uma sociedade. Tal identidade enraizada pode ser desvelada pelos filósofos,
por mitos, por profetas, focados não na construção, na projeção e na
manipulação política (como ocorre com os portadores da identidade extrema), mas
na descoberta, na libertação e manifestação do próprio espírito de um povo
enquanto tal – ao invés da maneira como é imaginado. Neste sentido, a
identidade enraizada não é uma estrutura acima da identidade difusa, mas,
antes, sua base, sua raiz (radix), seu fundamento.
A identidade enraizada é uma Ideia que singulariza uma
sociedade, um povo, uma cultura ou uma civilização – que faz com que eles sejam
o que são. Desdobra-se de maneira difusa através de gerações e através das
massas, mantendo sempre sua singularidade e frescor.
A identidade extrema é sempre relativa, individual e
condicional. A identidade enraizada é absoluta, universal – no âmbito de uma
sociedade em específico – e não depende da expressão individual. A identidade
extrema é um produto particular da identidade difusa. A identidade enraizada
precede a identidade difusa e funciona como a potência espiritual que a
constitui.
Semelhante análise é muito importante para uma compreensão
precisa do desenvolvimento do nacionalismo no mundo atual.
Na Rússia, a identidade difusa (patriotismo) está em
ascensão. Concentra-se particularmente no Estado e em Putin, especialmente após
o ocorrido na Crimeia. Os Jogos Olímpicos ajudaram a cultivar e a revitalizar
tais formas em particular.
A identidade extrema é representada por uma ampla gama de
movimentos nacionalistas russos. Eles são díspares, oferecem sua própria
formulação do nacionalismo e, sob a liderança de líderes fúteis e incoerentes,
lutam uns contra os outros, não contando com o apoio dos portadores da
identidade difusa.
A identidade enraizada está no centro de tudo para aqueles
que estão sinceramente preocupados em buscar o ideal russo – não como uma
construção ideológica artificial, mas como um fundamento espiritual profundo.
O que observamos na Ucrânia é o oposto, ou seja, se trata de
um desenvolvimento da identidade extrema na caricatura "bandeirista"
ocidental-ucraniana. Este modelo distorce completamente a identidade difusa
natural: ignorando a identidade enraizada, tenta impor uma construção
artificial para todos os ucranianos – a despeito das estruturas identitária
difusa e enraizada, que são sua base, terem muito pouco em comum com ela.
Essa observação nos coloca a seguinte pergunta: o que é a
Ideia Ucraniana? Ela não é uma caricatura bandeirista, nem um vago nacionalismo
difuso, mas também não tem a ver com a compreensão ortodoxo-imperial da Grande
Rússia ou com o entendimento nostálgico soviético do problema ucraniano. Em
face dos eventos catastróficos e da cisão em curso na Ucrânia, tais observações
podem soar como abstratas, no entanto, a busca pela identidade enraizada da
Ucrânia, a compreensão da Ideia Ucraniana, sua "evocação", são, ao
contrário, desafios supremos.
O mesmo pode ser aplicado à Europa, onde estamos
testemunhando o surgimento de uma onda identitária. O nacionalismo difuso das
comunidades europeias está crescendo, apesar das políticas liberais antinacionais
das elites europeias. Como resultado, há também um crescimento da identidade
extrema, representada por grupos e movimentos nacionalistas – às vezes
abertamente neonazistas. Não obstante, em meio a tudo isso, sabemos qual é o
maior problema: a questão da identidade enraizada da Europa. Afinal, o caso
ucraniano serviu para expor toda uma série de questões – questões e desafios
que são de uma relevância histórica colossal e que vão muito além do contexto
específico da situação na Ucrânia ou das relações russo-ucranianas.
Hoje, a identidade está no centro de todos os problemas contemporâneos mais agudos na Europa e em outros lugares.
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