Introdução à Ideia de Uma Revolução Conservadora
Por Diego Echevenguá Quadro (2021)
“A revolução nada mais é do que um apelo do tempo para a
eternidade”. G.K. Chesterton
É tido como natural no campo da filosofia política
contemporânea que existe uma afinidade imediata entre liberais e conservadores.
Os primeiros seriam definidos pelo seu apreço pelas liberdades individuais
(econômica, política, de ideias, religiosas e etc.) e sua rejeição ferrenha da
intervenção do estado nos assuntos privados dos cidadãos; os segundos seriam
reconhecidos pelo seu apego à tradição, aos costumes consolidados, à moral
estabelecida pelo senso comum e pela religião, e por seu ceticismo em relação a
projetos políticos globais. Dessa forma, liberais e conservadores formariam uma
aliança sempre que o indivíduo fosse ameaçado de ser tragado por tentativas
políticas de transformação radical das condições sociais estabelecidas.
Conservadores e liberais se dariam as mãos frente ao medo de qualquer
sublevação radical deitar por terra a tradição ou a figura estável do indivíduo
liberal. Por essa perspectiva nos parece impensável que essa aliança seja
factível e vitoriosa; visto que o medo só pode servir como vínculo sólido a
crianças assustadas em uma floresta à noite, mas jamais a homens e irmãos de
armas que se reúnem em uma taverna para beber e a gargalhadas contar seus
feitos e proezas realizadas num campo de batalha.
Nos parece claro que a verdadeira irmandade de armas e de
espírito se dá não entre liberais e conservadores, mas entre radicais
revolucionários e conservadores. Num primeiro momento, uma mente fixada pelo
brilho pálido das ideias fixas pode rejeitar tal aliança como mera retórica que
se vale da contradição entre termos opostos como forma de mobilizar a atenção
para além de uma proposição sem conteúdo substancial. Mas não é o caso. Na
verdade, se trata aqui de um pacto espiritual forjado pela própria dinâmica que
representa o movimento de toda verdade revelada no mundo. Tomemos o
cristianismo como exemplo. No momento de sua enunciação o cristianismo aparece
como a negação concreta de todo o mundo antigo, de toda verdade estabelecida
até então e reconhecida como a face legítima do que vinha a ser o mundo social.
Em sua revelação, o cristianismo é a negação determinada da antiguidade; dessa
forma, não pode ser outra coisa do que uma verdadeira revolução. Isso nem o
mais assustado conservador pode recusar. Contudo, a história não acaba aí.
Depois de enunciada, toda verdade que é nova como uma criança precisa ser
conservada e protegida para que cresça, e na sua maturidade reivindique o que é
seu por direito. Nesse segundo momento toda verdade se torna conservadora, pois
busca resguardar as conquistas que emanaram do seu quadro enunciativo original.
Vemos assim a comunidade horizontal dos discípulos se transformar na hierarquia
vertical da igreja, com seus sacerdotes como guardiões espirituais da fé e seus
soldados como o braço armado da verdade que lacera a carne para que o espírito
tenha o seu berço. Não há nada a criticar nesse movimento. Devemos aceitá-lo
como a dialética necessária de toda verdade que merece o seu nome. Há tanta
beleza em um sermão de Cristo quanto nos exércitos que marcham sob o signo da
cruz e usam a espada para conservar a poesia de suas palavras.
Vemos assim que revolução e conservação são dois momentos de
um mesmo movimento: o da verdade que rasga o véu do templo e que posteriormente
ergue as catedrais. Por essa perspectiva, nada nos poderia parecer mais
equivocado do que atrelar o conservadorismo ao racionalismo bem-comportado do
liberalismo, ou ao ceticismo político de merceeiro de esquina da tradição
britânica. E aqui explicitamos o que para nós parece ser a verdade mais
inquestionável do que representa a unidade entre conservadorismo e revolução: a
defesa do
Absoluto. É inaceitável que o conservadorismo fique entregue
àqueles que o imaginam ser a expressão de um comedimento epistêmico e
existencial frente o novo; pois o conservadorismo não é e nunca será a defesa
preguiçosa da tradição e do velho que deve ser conservado por ser a chancela
que a utilidade conferiu ao hábito. O conservadorismo é a defesa do novo, do
atual e do presente, porque ser um conservador é defender sem nenhum pudor e
sem nenhuma vergonha a eternidade. E por ser a eternidade a expressão temporal
do Absoluto, o conservadorismo é a glorificação do presente, pois o eterno não
é o velho nem o antigo, mas o novo e o vivo como a artéria que pulsa e bombeia
o sangue ao mundo material.
Mas e quanto aos revolucionários? Seriam eles defensores da
eternidade e do Absoluto? Não seria a tradição revolucionária a expressão mais
acabada de toda negação da transcendência, do sagrado e do eterno? Como bons
pensadores conservadores já apontaram, há um núcleo soteriológico, gnóstico e
místico que coloca o pensamento radical socialista dentro do tronco
judaico-cristão. O marxismo não é a negação abstrata do cristianismo; mas o seu
filho pródigo ao qual o pai espera pelo seu retorno com um banquete de fazer
inveja ao próprio Deus. E devemos lembrar que a pretensão hegeliana de unir
sujeito e objeto, indivíduo e sociedade, mente e mundo é a manifestação máxima
do Absoluto no campo da filosofia. Visão essa que procura finalmente
reconciliar a imanência com a transcendência, no que podemos chamar de a
eucaristia especulativa da razão. E é essa compreensão que é a alma do
marxismo.
Tendo definido o que une conservadores e revolucionários
resta entendermos contra o quê e contra quem ambos serram fileiras. E seu
inimigo comum é o materialista de supermercado, o liberal ateu e irreligioso, o
arrivista estreito cujo hálito envenena todo espírito humano desde que seus
antepassados saíram dos esgotos em que rastejavam durante a Idade Média para o
centro financeiro do mercado de ações das grandes capitais mundiais sob o
reinado do anticristo.
Aqui devemos recorrer à definição da sociedade liberal como
uma sociedade aberta tal como Karl Popper apresenta. Sociedades abertas são
formas sociais desterritorializadas, sem qualquer filiação tradicional às
raízes do solo, da cultura, da família, do logos. Sem nenhuma forma de
pertencimento estável por parte de seus indivíduos. Indivíduos estes que são a
expressão mais acabada da substância elementar de toda vida social; puras
formas processuais que pairam espectralmente no éter, livres de todas as
determinações culturais, simbólicas, espirituais e biológicas. Estas sociedades
são a realização própria de toda negação do Absoluto; visto que não admitem
nenhuma causação na ação dos sujeitos que não seja guiada pelo seu interesse
racional de maximizar seu conforto, seu bem-estar e sua pança já avantajada.
Tal sociedade é uma negação do animal político grego, do cidadão, do filósofo,
do santo, do guerreiro e dos amantes que apenas contemplam como seu objeto o
Absoluto que rasga sua carne e os impulsiona para além de si mesmos. O
autointeresse desavergonhado do liberal o impede de arriscar sua vida por
qualquer coisa que não seja morrer como um idiota na fila de uma loja para
comprar qualquer aparato imbecilizador do momento.
É contra o império das sociedades abertas que
revolucionários e conservadores pegam em armas. É pelo seu amor ao Absoluto que
sentam à mesa e compartilham seus sorrisos, suas angústias e suas lágrimas. Um
liberal nunca chora. Não há lágrimas em um mundo de objetos substituíveis e
intercambiáveis. Não há perdas no capitalismo. Só há ganhos. Por isso o liberal
não perceberá o que perdeu. Nunca entenderá que trocou o Absoluto por uma tela
de computador. Somente revolucionários e conservadores sabem chorar, pois eles
choram pelo Absoluto. Suas lágrimas serão o novo dilúvio que cobrirá a terra e
afogará aqueles que não têm o espírito de peixes e navegadores. Pois são os
navegadores que descobrem novas terras,
novos continentes e novas geografias. E serão
revolucionários e conservadores que irão ancorar em novas praias, novas ilhas e
novos territórios. Pois eles habitam nas latitudes do Absoluto. E será uma
revolução conservadora – uma irmandade ainda não imaginada – que colocará um
fim nas sociedades abertas e seu cortejo de banqueiros, mercadores, gerentes,
especuladores e proprietários.
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