O Peronismo: Uma Tentativa de Insubordinação Fundadora
por Marcelo Gullo
Na história das relações internacionais, a primeira unidade
política a utilizar, conscientemente, sistematicamente e premeditadamente, o
imperialismo cultural [1], isto é, a subordinação ideológico-cultural como
instrumento fundamental da sua política externa, para impor a sua vontade às
outras unidades políticas, foi a Grã-Bretanha, exportando o livre-comércio como
uma ideologia de dominação.
Através das lojas, a Inglaterra exportou, para converter as
jovens repúblicas hispano-americanas em semicolônias, as ideias do
livre-comércio. Ideia que se cuidou bem para não aplicar em seu próprio
território.
Um dos problemas mais marcantes, mas, ao mesmo tempo, mais
ignorados na história das relações internacionais, refere-se ao fato de que,
desde a sua industrialização, a Grã-Bretanha começou a agir com duplicidade
deliberada. Uma coisa era o que era efetivamente realizado em matéria de
política econômica para se industrializar e progredir industrialmente e outra,
o que era ideologicamente propagado, com Adam Smith e outros porta-vozes.
A Inglaterra, apresentada ao mundo como a pátria do
livre-comércio, como o berço da não-intervenção do Estado na economia quando,
na realidade, tinha sido, em termos históricos, a pátria do protecionismo
econômico e do impulso estatal. [2]
O estudo da história da economia inglesa - diz Helio
Jaguaribe - mostra que a industrialização britânica, incipiente desde o
Renascimento isabelino e fortemente desenvolvida desde o final do século XVIII,
com a Revolução Industrial, teve como condição fundamental o protecionismo
estrito do mercado doméstico e a conveniente assistência do Estado ao processo
de industrialização. Obtidos para si os bons resultados dessa política, a
Grã-Bretanha se esforçou para sustentar, para os outros, os princípios do
livre-comércio e da livre atuação do mercado, condenando como contraproducente
qualquer política protecionista, por mais tênue que fosse.
Imprimindo a essa ideologia de preservação de sua hegemonia
as aparências de um princípio científico universal da economia logrou, com
sucesso, persuadir de sua procedência, por um longo período de tempo (de fato,
mas tendo como centro os Estados Unidos, Alemanha e Japão, até nossos dias) os
demais povos que, assim, se constituíam passivamente em mercado para os produtos
industriais britânicos e depois da Segunda Guerra Mundial para os
norte-americanos, alemães ou japoneses, permanecendo como simples produtores de
matérias-primas. [3]
Desta forma, a subordinação ideológica - nas nações que
aceitaram os postulados do livre-comércio - tornou-se o primeiro elo na cadeia
que os atava e condenava ao subdesenvolvimento endêmico e à subordinação
política, apesar de conseguirem manter os atributos formais da soberania. Como
consequência lógica, a partir de então, para que um processo emancipatório -
empreendido por qualquer unidade política sujeita à subordinação ideológica
britânica - fosse bem sucedido, devia partir, necessariamente, da execução de
uma insubordinação fundamental, ou seja, de colocar em marcha uma insubordinação
ideológica - que consiste na rejeição da ideologia de dominação disseminada
pela Grã-Bretanha: o livre-comércio - que deve ser complementada com a
aplicação de um impulso estatal adequado (protecionismo econômico,
investimentos públicos, subsídios estatais, reconstrução e promoção dos valores
espirituais), que pusesse em marcha o processo de industrialização e o processo
de reconstrução do ser nacional.
Foi, certamente, graças à realização de suas respectivas
insubordinações fundadoras que os Estados Unidos, Alemanha, Japão, Canadá e
Coréia do Sul conseguiram se industrializar e se reconstruir moralmente,
fatores que possibilitaram que cada uma dessas nações se tornasse unidades
políticas efetivamente independentes. [4]
A intenção investigativa deste artigo é analisar se o
peronismo como ação governamental pode ser entendido como um processo de
insubordinação fundadora, análogo ao iniciado nos Estados Unidos por George
Washington e continuado por Abraham Lincoln e seus sucessores, ou pelo
iniciado, na Alemanha, por Friedrich List e complementado por Otto von Bismark,
ou ao iniciado no Japão, pela Revolução Meiji, ou ao realizado, no Canadá, por
John Macdonald e pelo Partido Conservador ou, mais proximamente, pelo realizado
pela Coréia do Sul.
Política e Economia
nos Países Subordinados
Com razão, diz José Pablo Feinmann, "... para Perón, a
economia só existe na medida em que é guiada por um projeto político nacional.
Se há política, há economia. Se não há política, o que assume o controle de
tudo é a economia. E uma vez que a economia é dominada pelos países centrais,
pelas metrópoles, são eles que assumem o controle do país quando o país não tem
um projeto político que os confronte. O que demanda um projeto político que
torne a economia um de seus impulsos, mas não o seu fundamento? Demanda um
Estado forte."[5]
Foi precisamente um Estado forte que foi construído pelos
Estados Unidos após a guerra civil, após a vitória do norte industrial sobre o
sul livre-cambista e pró-britânico.
Nada foi deixado, nos
Estados Unidos, entregue à mão mágica do mercado.
Vale lembrar que os Estados Unidos, depois da guerra civil,
procederam:
1) A regular e limitar energicamente o investimento
estrangeiro em recursos naturais.
2) A limitar os direitos de exploração mineral aos cidadãos
dos EUA e às sociedades anônimas dos EUA.
3) A proibir a compra de terras por estrangeiros
não-residentes
4) A estabelecer uma barreira tarifária - praticamente
insuperável - para proteger a indústria americana da concorrência britânica.
5) A usar, com grande sucesso, indisciplina monetária e
financeira, para solver o seu desenvolvimento industrial. [6]
Também vale a pena lembrar que, até 1862, os Estados Unidos
eram um país "dependente do algodão" e tinham todas as
características de um país periférico. [7]
Foi, precisamente na Batalha de Gettysburg, em 3 de julho de
1863, que os Estados Unidos ganharam sua verdadeira independência do Império
Britânico. Somente após a imposição do projeto protecionista, os Estados Unidos
deixarão de ser um país "dependente de algodão" e um país
relativamente pobre.
Os países dependentes são países pobres, ou relativamente
pobres, produtores únicos ou, na melhor das hipóteses, fornecedores de várias
matérias-primas e economicamente fracos.
Mas, como a história dos Estados Unidos, Canadá e Austrália
mostra, para citar alguns, eles não são dependentes porque são pobres, são
pobres porque são dependentes:
"E essa dependência lhes foi imposta pelas nações
imperialistas, que levaram a cabo sua política de dominação com as mais
poderosas armas: a economia. Por que o livre comércio de Smith e Ricardo? Por
que essa confiança na mão invisível? Porque lá eles ganharam, os donos da
economia. Canning diz que quando ele comemora a libertação da América Latina
"se levarmos nossos negócios bem é nosso". Sem armas nem soldados, a
economia será responsável pela política de dominação". [8]
A Estrutura Econômica
Neocolonial
Uma simples análise da estrutura econômica da Argentina
permite observar a situação de dependência, em relação à Grã-Bretanha, antes de
1º de julho de 1940:
"47,7% do total do capital existente era estrangeiro;
49,3% dos investimentos que foram feitos também vieram do exterior, 37,8% das
exportações do país devem ser usadas para pagar os serviços e interesses
correspondentes a essas capitais. A propriedade do capital estrangeiro
investido foi em 80% da origem inglesa e norte-americana ... (entre 1900 e
1940), a entrada de capitais e créditos estrangeiros para o país totalizou 8303
milhões de dólares, mas os lucros de 14.145 milhões de dólares foram remitidos.
a mesma moeda". [9]
O modelo econômico estabelecido após Caseros, deu à
Argentina uma fisionomia dependente da agropecuária.
Uma fisionomia análoga à dos Estados Unidos da América até o
triunfo em sua guerra civil, do norte protecionista e nacionalista contra o sul
livre-cambista e pró-britânico.
Da mesma forma, uma estrutura análoga pode ser observada na
economia canadense, por exemplo, antes do início da chamada "Política
Nacional" realizada por John Mcdonald e pelo partido conservador a partir
do ano de 1879, consistindo na rejeição absoluta do livre-comércio e através da
aplicação de protecionismo econômico rigoroso para alcançar a industrialização
do Canadá. [10]
Na Argentina, o modelo agropecuário foi acompanhado por
"um modelo educacional que impediu toda a consciência industrial no setor
empreendedor: seus hábitos mentais induzidos o empurravam a considerar como
pouco nobre se dedicar às manufaturas". [11]
Questões a considerar, como um dado sociológico e político
fundamental para poder avaliar objetivamente o trabalho de governo realizado
pela Revolução de 4 de junho de 1943 e pelos dois governos constitucionais
presididos pelo general Juan Domingo Perón, que a sucederam entre 1946 e 1955
que, embora a Primeira Guerra Mundial, a depressão de 1929-1930 e o surgimento
da Segunda Guerra Mundial, tivessem promovido um certo desenvolvimento
industrial, a indústria era vista como "um substituto artificial,
destinado a desaparecer assim que se normalizassem as indicadas circunstâncias
excepcionais". [12]
Embora seja verdade que, como observamos apenas alguns
parágrafos atrás a sociedade argentina em geral via a indústria quase como
"supérflua", como uma atividade passageira (e também pouco nobre),
esta postura anti-industrialista foi permanentemente alimentada pelos grandes
meios de comunicação da época ("La Prensa" e "La Nación", e
até mesmo os principais jornais do interior, apenas para mencionar dois jornais
importantes, como "La Voz del Interior" de Córdoba ou a "Gaceta
de Tucumán"). Do mesmo modo, a maior parte do espectro política
partidocrático da época via o fenômeno fabril como um fenômeno passageiro.
Por outro lado, os produtores dependiam de "um
oligopólio composto por quatro empresas principais, Bunge & Born, Louis
Dreyfus, La Plata Cereal e Louis De Ridder. "Dois deles, monopolizavam,
entre 1936 e 1939, mais de 50% da comercialização total das colheitas: Bunge
& Born e Dreyfus". [13]
A pedra angular da
estrutura econômica neocolonial
Em 1932, o Sir Otto
Niemeyer chega na Argentina para realizar uma avaliação do sistema financeiro e
"aconselhar" uma série de medidas necessárias para o seu melhor
funcionamento.
Em 1933, ele preparou um relatório no qual ele projetou os
mecanismos de um Banco Central para a República Argentina. É nesse mesmo
momento histórico que Raúl Prebisch, também, elabora um projeto de Banco
Central para a Argentina. O ex-deputado socialista Federico Pinedo,
"ataca, a partir do jornal 'Libertad' e do Colégio Livre de Estudos
Superiores, o projeto Prebisch, demonstrando com sólidos argumentos, que o
Banco de la Nación Argentina poderia desempenhar essas funções efetivamente sem
criar uma nova e diferente instituição". [14]
Paradoxos da história, o governo fraudulento de Agustín P.
Justo - a pedido do próprio Federico Pinedo, agora ministro desse governo - é o
que, em maio de 1935, aprova o projeto de criação do Banco Central da República
Argentina apresentado por Raúl Prebisch, o mesmo que o próprio Pinedo havia
criticado.
As principais funções do Banco Central consistiriam em
determinar a orientação do crédito (que, em termos mais completos, inclui a
gestão da taxa de juros e com isso o poder de acelerar ou desacelerar a
economia), a paridade monetária e a emissão do circulante.
O Banco Central foi, portanto, organizado como uma
instituição de capital misto formada pelo Banco de la Nación Argentina que, com
2000 ações, tinha direito a apenas 1.000 votos na assembleia geral, os Bancos
Provinciais, que, com 1918 ações, tinham direito apenas a 1777 votos na
assembleia geral, os bancos de capital privado considerados empresas argentinas
que com 4261 ações possuíam 4120 votos na assembleia e os bancos estrangeiros
que, com 1821 ações, possuíam 1821 votos na assembleia.
Assim, conformado o Banco Central, o Estado nacional - no
caso de convencerem as províncias a votar sempre de forma conjunta com ele -,
poderia atingir um máximo de 2777 votos e a banca privada como um todo, poderia
reunir pelo menos 5941 votos:
"Os bancos oficiais tiveram então um poder de decisão
menor em relação aos recursos que aportavam, enquanto o peso dos estrangeiros
na assembleia era maior do que se poderia assumir, já que muitos bancos
considerados nacionais, como o Español del Rio de la Plata, o Banco de Galícia
e Buenos Aires, o Banco Francês do Rio de la Plata ou o Banco da Itália e do
Rio de la Plata eram controlados por capital estrangeiro". [15]
Quanto às diferenças entre o projeto de Niemeyer e o de
Prebisch, existem opiniões opostas que podem ser agrupadas em duas posições:
por um lado, aqueles que afirmam que, em sua concepção de política bancária, o
projeto de Prebisch diferia da proposta de Niemeyer e, por outro lado, aqueles
que sustentam que o projeto de Prebisch, não apresenta diferenças substanciais
com o de Niemeyer, exceto que as reformas introduzidas por Prebisch não
passavam de um aprofundamento da dependência na elaboração da política
econômica por parte do capital estrangeiro. Ou seja, que era um projeto ainda
pior do que o proposto pelo consultor inglês, funcionário, aliás, do próprio
Banco da Inglaterra. [16]
Além disso, o projeto de Carta Orgânica, finalmente
sancionado, estabelecia no artigo 54: "Durante o prazo fixado pelo artigo
1 - 40 anos - esta lei não pode ser modificada sem o consentimento do Banco que
não pode aceitar qualquer modificação sem a aprovação de 2/3 dos bancos
acionistas de uma Assembleia Extraordinária convocada expressamente para esse
fim"[17].
Se colocava, assim, uma empresa privada, na prática - com a
aparência de mista - para manejar toda a política monetária nacional e,
portanto, a economia doméstica. No entanto, o fato foi agravado pelo grau de
autonomia (autoridade, na realidade), que foi concedido pela mesma lei a uma
simples empresa privada. Isto, com a interferência concedida na economia
nacional, ficava, no entanto, à margem das autoridades do Estado nacional. Nem
o poder executivo nem o poder legislativo podiam intervir em seus ditames ou
decisões. Menos ainda modificar seu estatuto (Carta Orgânica). Estava, em
síntese, em uma situação de "Estado paralelo", não já autônomo, mas
soberano. E isso pelo
"modesto" período de 40 anos (o que teria trazido sua intangibilidade
não menos que até 1975!)
A estrutura econômica da Argentina, na qual o peronismo teve
que operar, era verdadeiramente neocolonial, mas desde esse marco - a criação
de um Banco Central controlado pelo capital estrangeiro - piorou ainda mais,
por ter ficado "institucionalizada" e com dominação total da economia
doméstica.
Um Banco Central "privado" se tornará, assim, na
"pedra angular" da estrutura neocolonial - isto é, do domínio do
capital estrangeiro, que na época era principalmente inglês - sobre a
Argentina. Porque se uma entidade "mista com participação estatal -
minoritária - e privada - majoritária - manejava a política monetária nacional,
na realidade, era uma entidade estrangeira privada que controlaria os fios da
economia nacional e, então, o Estado argentino perderia o poder total sobre sua
política econômica interna, deixando, mesmo as decisões mais circunstanciais e
até as menores, no poder do capital que domina esse Banco Central e dita, de
forma autônoma, a política monetária. Ou seja, nas mãos do capital estrangeiro.
O Banco Central entrou em operação em 6 de junho de 1935 e,
entre seus "nobres objetivos", fixados em sua própria Carta Orgânica
(Lei 24.144), estava o de promover "o emprego e o desenvolvimento
econômico com equidade social" para todos os argentinos. No entanto, como
uma das características notáveis dessa Argentina neocolonial era a ausência
de concordância entre teoria e realidade, com a criação do Banco Central, a
aplicação das políticas monetárias ainda estava condicionada pelas preferências
e interesses dos investidores estrangeiros - predominantemente britânicos - que
queriam enviar seus lucros para o exterior e evitar desvalorizações da moeda
nacional.
É importante notar que o controle do Conselho de Administração
do Banco Central permitiu aos bancos estrangeiros "determinar a orientação
do crédito, a paridade monetária e a emissão de capital de giro". [18]
Ao analisar a estrutura da economia argentina entre 1935 e
1946, há um simples raciocínio a ser realizado e que, no entanto, não é
realizado.
Se o Banco Central determinava a orientação do crédito, a
paridade monetária e a emissão de capital de giro e o Conselho de Administração
do Banco Central era dominado por bancos estrangeiros então, por consequência
lógica, os bancos estrangeiros "orientavam" a economia argentina.
Pode-se concordar, como muitos economistas argumentam, que
uma entidade autárquica, em relação ao Estado argentino e controlada por
capital estrangeiro, direcione o destino econômico de todos os argentinos, mas
o que não pode ser negado e/ou escondido sem cair na mais completa
desonestidade intelectual, é que o destino econômico dos argentinos, nesse
caso, não está nas mãos dos argentinos.
Uma simples pergunta segue do raciocínio que fizemos. Se a
determinação da orientação do crédito, da paridade monetária e da emissão da
moeda, era realizada pelos bancos privados estrangeiros que, como dissemos,
eram principalmente britânicos, quais as funções realmente determinantes da
economia cumpriam as autoridades que, na Argentina, eram responsáveis pela
gestão da economia? Do mais rigoroso corpo teórico do monetarismo, a resposta é
simples, nenhuma.
A economia argentina, no essencial, no estratégico, era
dirigida principalmente pela banca da Grã-Bretanha, e então, nacionalizar o
Banco Central, era ferir de morte o domínio profundo, sutil e quase
imperceptível que a Grã-Bretanha, de fato, exercia sobre a Argentina.
Justamente essa ferida mortal, infligida à dominação britânica, é o que a elite
política britânica nunca perdoaria a Juan Domingo Perón.
A dominação britânica da Argentina era tão profunda, antes
de Perón, que explica a frase do historiador brasileiro Luiz Alberto Moniz
Bandeira, de que a Argentina era "uma espécie de colônia informal da
Grã-Bretanha, o chamado quinto domínio, ocupando uma posição de dependência
para a qual não havia um paralelo exato fora do império". [19]
O mundo segundo os
Estados Unidos
O cientista político e historiador norte-americano John
Lewis Gaddis afirma que, durante o período da Segunda Guerra Mundial, "os
líderes americanos consideraram que a reconstrução da economia mundial era um
objetivo tão importante quanto a autodeterminação, caso se quisesse realmente
acabar com as causas da guerra". [20] Portanto, é necessário nos
perguntar, como a economia mundial devia ser reconstruída de acordo com os
líderes americanos? Para eles, responde Gaddis, ficou claro que os nacionalismos
econômicos foram a principal causa das guerras e que, logicamente, a economia
mundial que os Estados Unidos deviam reconstruir após a guerra era uma economia
baseada no livre comércio absoluto.
Tão presente estava essa ideia na elite americana que o
presidente Roosevelt sustentou, em sua mensagem anual ao Congresso em 1940,
que:
"... o campo minado destrutivo das restrições
comerciais instituídas entre as duas guerras é uma das razões que contribuíram
para as contendas atuais". [21]
Os Estados Unidos devem usar sua influência, depois da
guerra, afirmou Roosevelt, para que nenhuma nação opte pelo nacionalismo
econômico.
"O Departamento de Estado e o do Tesouro, em seguida,
compartilharam a tarefa de formular planos específicos para enfrentar a
situação econômica pós-guerra. O primeiro, basicamente, assumiu a
responsabilidade de remover as barreiras comerciais, engajando-se no controle
da renovação do Ato Recíproco de Acordos Comerciais (Reciprocal Trade
Agreements Act) e induzindo outras nações a executar políticas tarifárias
liberais". [22]
"Cordell Hull - diz Gaddis - o veterano secretário de
Estado, há muito havia se convencido de que o nacionalismo econômico era a
causa das guerras. A solução, acreditava Hull, era eliminar barreiras
comerciais de qualquer tipo para que todos fizessem comércio com todos".
[23]
É, nesse sentido, que o Secretário de Estado mantém em seu
discurso de rádio em 23 de julho de 1942:
"Na minha opinião, o comércio sem obstáculos significa
paz; tarifas elevadas, barreiras comerciais e toda concorrência desleal,
guerra". [24]
Gaddis sublinha especialmente que "a maioria dos
economistas do Departamento de Estado aderiu a essa posição". [25]
Deve-se assumir, então, qual seria a posição dos Estados
Unidos diante da aparição de um jovem coronel que, nos confins da periferia,
decidiu aplicar todos os tipos de obstáculos ao comércio internacional, para
defender a indústria emergente de sua própria nação.
Certamente, não havia originalidade no discurso de Cordell
Hull, porque era o que os liberais clássicos sempre mantiveram. Hull retomou,
em seu discurso, o pensamento de David Ricardo e John Stuart Mill de que o
protecionismo econômico era a principal causa das guerras e de que o livre
comércio era a melhor garantia para a paz. A novidade era que ela era expressa
pelo Secretário de Estado de uma nação que havia aplicado e defendido, desde
sua independência, o mais feroz protecionismo econômico.
Por outro lado, Gaddis enfatiza: "Os temores de uma
depressão econômica pós-guerra nos Estados Unidos aumentaram a preocupação da
administração com a política econômica estrangeira. Muito consciente - a elite
política americana - que o New Deal não havia resolvido o problema do
desemprego em tempo de paz (e ciente) no outono de 1944, de que a redução dos
gastos militares deixaria pelo menos quatro milhões e meio pessoas sem trabalho
(chegaram à conclusão de que) encontrar mercados para produtos excedentes foi a
solução para aliviar o problema da reconversão doméstica". [26]
Em outubro de 1944, Roosevelt escreveu para Hull:
"Embora não obtenhamos qualquer vantagem de nenhum país, faremos a
indústria americana tomar uma boa fatia do mercado mundial". [27]
Ou seja, para o governo de Roosevelt, qualquer governo, em
qualquer lugar do mundo, que erguesse as bandeiras do nacionalismo econômico,
isto é, que se opusesse ao livre comércio e que tentasse defender sua indústria
nascente, através de qualquer tipo de barreiras comerciais - como os Estados
Unidos fizeram por quase 100 anos - seria um governo que "ameaçava" a
paz mundial e, portanto, um governo que deveria ser removido - pelo bem da
humanidade - da liderança de seu próprio Estado.
Tal foi o caso, para os Estados Unidos, do governo argentino
decorrente da revolução de 4 de junho de 1943, que "reduziu o predomínio
dos agroexportadores na condução da Argentina". [28] Os Estados Unidos
perceberam imediatamente o governo argentino como propenso ao nacionalismo
econômico e o coronel Juan Domingo Perón como líder desse novo nacionalismo
econômico e estavam preparados para agir de acordo.
Estados Unidos frente
à Revolução de 43
Pouco depois de junho de 1943, o Secretário de Estado,
Cordell Hull, levanta como proposta ao presidente Roosevelt, o primeiro plano
de intervenção militar na Argentina, para acabar com o governo que surgiu em
Buenos Aires, em junho de 1943. [29 ]
De acordo com o rascunho elaborado pelo Secretário de
Estado, deveria ser o Brasil encarregado de invadir a Argentina. Para este fim,
Cordell Hull "determinou que o Conselho de Distribuição de Munições
entregasse rapidamente ao Brasil grandes quantidades de armas e munições, bem
como equipamentos para duas ou três divisões de regimentos motorizados, para
que ele pudesse concentrar forças poderosas no Rio Grande do Sul."[30]
A "sugestão" americana era que "o Brasil
deveria se preparar para lutar na bacia do Prata e não enviar tropas para a
África ou a Europa". [31]
No Brasil, alguns diplomatas e militares estavam
entusiasmados com a proposta dos EUA porque especularam que, em compensação
pelo esforço empreendido, o Brasil poderia estender suas fronteiras ao rio Paraná,
ocupando as províncias argentinas de Misiones, Corrientes e Entre Ríos.
No entanto, felizmente para a Argentina, o plano do
Secretário de Estado, embora tenha sido visto com simpatia por uma parte
importante do Itamaraty e do exército brasileiro, não teve o apoio do
presidente Getúlio Vargas.
A falta de apoio do presidente Vargas não fez com que o
Secretário de Estado desistisse do plano de eliminação do governo argentino e,
quando o coronel Juan Domingo Perón passou a acumular em conjunto o Ministério
do Trabalho, o Ministério da Guerra e a Vice-Presidência da República, redobrou
seus esforços para executar o plano de invasão da Argentina.
Cordell Hull então acusou o governo argentino - a acusação
foi dirigida principalmente ao coronel Perón - de ter promovido, em dezembro de
1943, o golpe de Estado que, na Bolívia, derrubou o presidente Enrique
Peñaranda e de pretender ampliar a influência do governo argentino para o
Paraguai, Uruguai, Chile e Peru.
O Bombardeio da
Cidade de Buenos Aires
Em fevereiro de 1944, o almirante americano Jonas H. Ingram,
comandando um esquadrão formado por navios dos EUA e do Brasil, aproximou-se da
Argentina com o objetivo específico de "promover o bloqueio do Rio da
Prata, o que indubitavelmente precipitaria o conflito armado, forçando o Brasil
a invadir a Argentina". [32]
O almirante Ingram queria "atacar Buenos Aires,
julgando que ele poderia destruí-la facilmente, com 200 aviões transportados
por sua esquadra". [33]
Para articular o plano de bombardeio de Buenos Aires, o
almirante americano "discutiu o assunto com o general Pedro Aurelio de
Góes Monteiro, representante do Brasil no Comitê Consultivo Interamericano de
Emergência para Defesa Política, que operava em Montevidéu ... O general Góes
Monteiro consultou então o Itamaraty e recomendou a adoção de um plano,
preparado em 3 de outubro de 1940, para a invasão da Argentina". [34]
Apenas a oposição do presidente Getúlio Vargas fez a ameaça
da invasão americano-brasileira desaparecer momentaneamente.
No entanto, apesar da oposição de Vargas, o Pentágono não
desistiria tão facilmente da intenção de aniquilar o governo argentino.
"A possibilidade de usar a Força Aérea Brasileira para
devastar completamente Buenos Aires, de acordo com documentos aos quais o
embaixador Carlos Martins teve acesso em Washington, estava entre as intenções
de alguns líderes militares do Pentágono ... O plano consistia em recrutar
jovens aventureiros - muitos dos quais eram pilotos de primeira classe - que
estavam dispostos a servir sob uma bandeira estrangeira, neste caso a do
Brasil, e fornecer a eles, para o ataque a Buenos Aires, mais aviões e bombas
do que os alemães na Espanha ... Mas Vargas, apesar de todas as pressões,
manteve-se firme na oposição de não hostilizar a Argentina". [35]
Digamos de passagem, que essas informações devem ser levadas
em conta, apesar, é claro, da mudança de governo nos Estados Unidos, da
recomposição das relações entre Buenos Aires e Washington, e dos anos que se
passaram, quando se avalia o motivo, o presidente da Argentina, Juan Domingo
Perón, em setembro de 1955, decidiu não resistir à rebelião militar destinada a
derrubar seu governo, apesar de ter a maioria do exército em seu favor.
A Nacionalização do
Banco Central, dos Depósitos Bancários e do Comércio Exterior
Após o seu triunfo eleitoral, em fevereiro de 1946, Juan
Domingo Perón pediu ao general Farrell, a criação de quatro instrumentos
decisivos para poder iniciar o processo de insubordinação fundadora na
Argentina:
1) A nacionalização do Banco Central, realizada pelo
decreto-lei número 8503, em 25 de março de 1946.
2) A nacionalização dos depósitos bancários, realizada pelo
decreto-lei nº 11.554, em 24 de abril de 1946.
3) A assunção, pelo Banco Central, de todos os poderes relacionados
ao controle de câmbio, executada pelo decreto-lei 12.596, de 3 de maio de 1946.
4) A criação do Instituto Argentino para a Promoção da Bolsa
(IAPI), realizada pelo decreto-lei n. ° 15.350 de 28 de maio de 1946
O Significado Profundo das Eleições de 1946
Depois de suas respectivas independências da Espanha, todas
as repúblicas hispano-americanas e o império brasileiro após sua independência
de Portugal, se constituíram, passivamente, em mercados para produtos
industriais britânicos e depois para norte-americanos ou alemães, permanecendo
como simples produtores de matérias primas.
Esta situação foi mantida até que as oficinas britânicas e
americanas fossem forçadas a abandonar a provisão de países latino-americanos
para se concentrarem completamente na fabricação de tudo o que lhes permitiria
parar a infernal maquinaria nazi. Então, os principais países
latino-americanos, após o início da Segunda Guerra Mundial - que quase
completamente interrompeu o fornecimento de produtos industriais da Europa e dos
Estados Unidos - começaram um processo acelerado de industrialização. Um
processo anárquico e não-planificado. Ainda que, em menor escala, o mesmo
fenômeno já tivesse ocorrido durante a Primeira Guerra Mundial. Eles
desenvolveram, então, pela força da mera necessidade, uma indústria leve, bem
como alguns vislumbres da indústria pesada. A interrupção das importações criou
as condições necessárias para o desenvolvimento industrial.
Uma situação semelhante ocorreu nos Estados Unidos durante a
guerra contra a Grã-Bretanha pela independência e depois na segunda guerra que,
em 1812, os Estados Unidos travaram com o Império Britânico. Um fenômeno
semelhante também ocorreu em 1812 na Alemanha, quando Napoleão impôs o bloqueio
continental que impediu os produtos industriais britânicos de entrar nos países
da Europa continental.
É precisamente a circunstância que apontamos que faz que nos
Estados Unidos, o Secretário do Tesouro, Alexander Hamilton, levante o
argumento da indústria nascente, denuncie o livre comércio como uma ideologia
de dominação exportada pela Grã-Bretanha e proponha ao Congresso dos Estados
Unidos a aplicação de um pacote de medidas para defender a indústria
norte-americana nascente.
A história recente da América Latina não pode ser entendida,
após o final da Segunda Guerra Mundial, se não se entender que o objetivo
estratégico dos Estados Unidos foi o estabelecimento mundial do livre comércio.
Não se pode entender a história recente da América Latina,
sem entender que o objetivo dos Estados Unidos - transformado em campeão do
livre-comércio depois de ter sido durante quase 100 anos o lar do protecionismo
econômico - era que quando a guerra terminasse, tudo voltasse à normalidade:
isto é, os países latino-americanos seguissem a exportar produtos primários e
importar produtos industriais.
Logicamente, a incipiente indústria latino-americana não
estava em condições de competir com a poderosa indústria norte-americana que,
ademais, tinha um grande excedente de produção. A única maneira de manter e
afirmar o processo de industrialização foi rejeitar o dogma liberal da divisão
internacional do trabalho e, consequentemente, estabelecer uma série de medidas
que impedissem a entrada de produtos industriais americanos, tal como os
próprios Estados Unidos fizeram depois do fim de sua guerra pela independência.
Se essa barreira não fosse estabelecida, se retornaria à condição anterior à
dos anos 40, isto é, à condição de países que produzem exclusivamente bens
primários e, uma grande massa da população, empregada na indústria, ficaria na
rua, sem trabalho e em condições de vida sub-humanas.
Na Argentina, "um estudo em cuja redação participaram
os economistas e membros do grupo Bunge, Carlos Moyano Llerena, Jorge Vicien e
José Astelarra, sustentou (naquela época) que a retomada das importações (como
os Estados Unidos desejavam) teria efeitos negativos na ocupação industrial.
Diretamente, cerca de 70 mil trabalhadores, principalmente da indústria têxtil
de algodão e metalurgia, seriam afetados. A esse número o relatório acrescentou
o efeito que a crise teria em outras indústrias cuja demanda era elástica às
variações na renda (indústria têxtil laneira e de raiom, a dos materiais de
construção e setores de alimentos) e pela redução da ocupação no setor
comercial. Finalmente, foram adicionados cerca de 40 mil braços, que se somavam
anualmente ao mercado de trabalho. Em suma, se deveria esperar uma cifra - de
desemprego - próxima a 180 mil pessoas, 17% do emprego industrial". [36]
Se esse nível de desemprego se traduzisse em conceitos estatísticos modernos e,
para ter uma dimensão clara do efeito que essa abertura poderia ter gerado,
devemos multiplicar essa figura de 180.000 pessoas por 4 - o padrão da família
comum - ou seja, que a abertura deixaria 720 mil pessoas em situação de
pobreza, o que é muito mais significativo se medido em relação a uma população
argentina total, naqueles anos, de cerca de 14 milhões de pessoas.
Os economistas liberais, como sempre otimistas, estimaram
que "apenas" 75.000 trabalhadores seriam deixados sem trabalho. [37]
Os principais países latino-americanos estavam, então,
confrontados com o dilema de realizar uma Insubordinação Fundadora ou se
submeter aos ditames do novo centro máximo de poder mundial. A pressão para que
os países latino-americanos não aplicassem medidas em defesa de sua indústria emergente,
como as que foram aplicadas na época por Alexander Hamilton nos Estados Unidos,
foi enorme.
É importante ressaltar que antes de 1943, os Estados Unidos
acreditavam, com razão, que, na Argentina não teriam que aplicar qualquer tipo
de pressão para alcançar seus fins, porque a classe política argentina era
decididamente a favor do livre-comércio. As principais figuras que constituíam
a União Cívica Radical consideravam o protecionismo como uma prática e uma
teoria "grosseiras", enquanto a liderança do partido socialista
considerava qualquer medida protecionista tendendo a defender a indústria
nacional como uma medida "espúria".
"Assim, por exemplo, a Comissão Especial nomeada pelo
radicalismo para o estudo do plano (Pinedo) defendeu o apoio a indústrias que
não precisavam de 'um protecionismo grosseiro que beneficia um para prejudicar
mil'. Por sua vez, o Grupo Parlamentar Socialista considerou que a guerra
criaria as condições para o surgimento de uma 'indústria saudável' sem recorrer
ao emissionismo, ao mesmo tempo que pedia a intensificação do intercâmbio
comercial 'dificultado por interesses protecionistas espúrios'. [38]
Para a classe política argentina, da época, a divisão das
indústrias em "natural" e "artificial" era um critério
científico. Esse era, sem dúvida, o critério predominante em todos os jornais e
periódicos da Argentina. Seguindo a distinção entre indústrias naturais e
artificiais, a classe política argentina considerava absurdo que a Argentina se
propusesse à produção de aço, automóveis, borracha, agroquímicos, plástico,
refrigeradores e até ferros de passar, porque a Argentina não tinha ferro nem
petróleo.
De passagem, vale a pena lembrar que se a Itália, o Japão ou
a Coréia do Sul tivessem aplicado o princípio "científico" da divisão
entre as indústrias naturais e artificiais, nunca teriam se industrializado,
uma vez que nenhuma dessas nações tinha em seu território ferro ou petróleo. Se
o Japão, por exemplo, tivesse seguido os critérios "científicos"
desses "economistas argentinos esclarecidos" hoje, só produziria
tecidos de seda e conservas de peixe.
Após a guerra, "os Estados Unidos exigiram (à
Argentina), o desmantelamento dos rígidos controles estatais que limitam o
comércio internacional". [39]
Curiosamente, é negligenciado nos estudos sobre o peronismo
que, nas eleições de 1946, o que estava em jogo é se a Argentina seguiria o
"conselho" dos Estados Unidos de aplicar uma política baseada no
livre-comércio ou se, por outro lado e de alguma forma, ela tentaria defender,
com a melhor ou a pior sorte, sua indústria nascente.
É claro que a União Democrática, formada entre outros
partidos pela UCR e pelo Partido Socialista, integrada, entre outros setores,
pelos representantes da Sociedade Rural e patrocinada, financiada e organizada
pelo Embaixador dos Estados Unidos da América, caso triunfasse nas eleições,
teria seguido o "conselho" norte-americano de realizar uma abertura
irrestrita da economia argentina. É claro que, mal ou bem, o peronismo tentou
defender, de forma eficiente ou ineficaz, a indústria argentina nascente. Este
é o fato que nos permite afirmar que o peronismo representou a tentativa de
realizar uma insubordinação fundadora. Ele rejeitou a ideologia do
livre-comércio proposta, primeiro pela Grã-Bretanha e depois pelos Estados
Unidos, e tentou, através do impulso estatal, pôr em ação as potencialidades da
Argentina. Esse fato, a rejeição do livre-comércio (abertura indiscriminada da
economia que levaria ao "infanticídio" industrial argentino e geraria
a indigência de 720 mil pessoas) e a tentativa de aplicar uma política
pró-industrial bastam para qualificar o peronismo como tentativa de
insubordinação fundadora.
O peronismo resistiu, não seguiu as indicações dos Estados
Unidos e da Grã-Bretanha e tentou aprofundar o processo de industrialização.
Além disso, o governo argentino aplicou uma política de forte impulso estatal à
industrialização e dirigiu grande parte dos seus esforços para o
desenvolvimento de novas tecnologias estratégicas, como a aeronáutica e a
nuclear. Um dos resultados mais palpáveis desta política foi o fato de que a
Argentina foi o quarto país do mundo capaz de produzir um avião a jato: o lendário
"Pulqui". (O primeiro país a fabricar um jato foi os Estados Unidos,
depois a URSS e quase simultaneamente à Argentina, embora um pouco antes, a
Grã-Bretanha.)
A decisão do governo peronista de implementar uma série de
medidas que serviram de proteção para a indústria nacional, para evitar esse
tipo de "infanticídio industrial", impediram a Argentina de se tornar
desindustrializada, retornando ao status de exportador exclusivo de produtos
primários sem processamento.
No Equador, Peru, Colômbia, Venezuela, o incipiente processo
de industrialização, foi completamente varrido pela irrupção de produtos
industriais provenientes dos países centrais. O peronismo, obstinadamente,
impediu o processo de desindustrialização e reprimarização, que teria condenado
uma grande parte da população argentina à extrema pobreza, na medida em que o
modelo de agro exportação já não era capaz de proporcionar o pleno emprego.
Assim, enquanto os países latino-americanos se submetiam a
um processo de reprimarização de suas economias, a Argentina peronista
aprofundou seu processo de industrialização e os trabalhadores participavam de
50% do Produto Interno Bruto. Esta situação, apesar da enorme campanha de
difamação que as agências de notícias internacionais realizaram contra o governo
peronista, não passou despercebida pela enorme massa de pessoas desapontadas na
América Latina.
Em 1946, duas concepções da política econômica foram
confrontadas, dois projetos de país completamente opostos. Os homens que faziam
parte da União Democrática estavam convencidos dos benefícios do
livre-comércio, viam a indústria, que nascera como uma espécie de anomalia,
mas, fundamentalmente, eles não acreditavam de forma alguma que o Estado
devesse protegê-la. Uma vez terminada a guerra, as indústrias que pudessem
resistir à concorrência estrangeira continuariam a existir e aquelas que não,
fechariam naturalmente suas portas.
Naturalmente, os homens da União Democrática não viam
motivos para se opor à política americana que exigia, em todos os países, a
aplicação do livre-comércio. Política que sempre foi a política permanente da
Grã-Bretanha.
Os homens que integravam o peronismo, pelo contrário,
convencidos do argumento da indústria nascente que tinha sido desenvolvido por
Alexander Hamilton, acreditavam que o Estado deveria proteger a indústria por
um longo período até que esta estivesse em condições de se defender sozinha da
competição internacional. Após a guerra, havia então que proteger de qualquer
forma indústrias que não pudessem resistir à concorrência estrangeira, para
evitar que fechassem suas portas. Naturalmente, os homens do peronismo
acreditavam que tinham motivos suficientes para se opor tenazmente à política
norte-americana que pressionava para que todos os Estados adotassem uma política
de livre-comércio.
É esse raciocínio que nos leva a afirmar que o peronismo não
foi tão importante pelo que fez, mas pelo que ele impediu que fosse feito.
Se a União Democrática tivesse triunfado, teria produzido,
usando uma terminologia inventada por Hamilton, um "infanticídio
industrial".
O peronismo, com todos os seus erros, improvisos e
equívocos, impediu esse "infanticídio industrial".
A esta afirmação poderia se opor a ideia de que a política
industrial do peronismo era, em termos coloquiais, uma política de pão para
hoje e fome para o futuro, porque era baseada na indústria leve e não na
construção da indústria pesada.
À acusação de não ter começado pela indústria pesada, a
refutação feita por Arturo Jauretche é interessante:
"As indústrias são criadas na ordem das necessidades do
mercado, e o primeiro mercado é o da indústria leve, que, por sua vez, origina
o da indústria pesada. Mas, embora o argumento contra fosse válido em um mundo
abstrato, não é válido no mundo concreto. Parece que eles estão deliberadamente
esquecendo que o país foi bloqueado internacionalmente, que regiam para isso
todos os tipos de obstáculos financeiros e que estava totalmente fechada para
nós a coleta de materiais críticos". [40]
Por outro lado, Jauretche observa que muitos economistas
argumentam como se a política não existisse, como se uma medida econômica
pudesse ser tomada e aplicada, sem qualquer consideração da situação política.
É, nesse sentido, que afirma:
"Por outro lado, adiar o desenvolvimento da indústria
leve para um desenvolvimento hipotético da indústria pesada, significava
destruir a base do apoio democrático dos governantes. Surgidos da vontade de um
povo em ascensão, se pretende que freassem as formas de produção que originaram
essa ascensão, talvez pela simples imitação do sistema aplicado nos regimes
totalitários. Hitler poderia, coercitivamente, impor sacrifícios dessa
natureza, como 'menos manteiga e mais canhões'. Stalin também o fez em seus planos
sucessivos, mas essa política era impraticável na Argentina, bem como absurda,
pelo que foi dito anteriormente. A indústria pesada deve chegar em seu tempo. A
verdade é que tudo o que existe no assunto tem seu ponto de partida ali, desde
a aquisição da Sierra Grande pela Fabricação Militar até a Siderúrgica de San
Nicolás, que se complementavam pelo modesto esforço que significou terminar a
obra, antes começada, de Zapla." [41]
O historicamente certo é, que o caminho seguido pelo
peronismo, de começar com a indústria leve em seu primeiro plano quinquenal e
de continuar com a indústria pesada no segundo plano, com o impulso do Estado -
como principal ator do processo de industrialização - com a gestão total do
fluxo de divisas e com o controle do comércio exterior, foi a mesma estrada na
qual, anos depois, a Coréia do Sul se comprometeu com total sucesso. [42]
O Impulso Estatal e a
Defesa da Indústria Emergente
"Com o peronismo no poder, o Primeiro Plano Quinquenal
estabeleceu o fomento das manufaturas existentes com o objetivo de evitar o
desemprego pós-guerra, especialmente a produção têxtil de algodão e a
metalurgia, atividades que a recuperação das importações poderia afetar
fortemente". [43] Ou seja, o desemprego que teria ocorrido se o peronismo
tivesse aceitado as "sugestões" vindas de Washington de aplicar uma
política de comércio absolutamente livre.
Vale lembrar que após a Segunda Guerra Mundial, os Estados
Unidos, tendo sido o berço do nacionalismo econômico e depois de aplicar um
protecionismo muito forte por quase 100 anos, se tornaram os campeões do
livre-comércio.
No entanto, o fato politicamente relevante, que os
economistas muitas vezes ignoram por causa de sua falta de treinamento na
história das relações internacionais, é que, após a Segunda Guerra Mundial, os
Estados Unidos começaram a pregar no mundo que a origem das guerras estava no
protecionismo econômico. Eles elaboraram a equação, protecionismo econômico
equivale a fascismo e fascismo equivale a guerra. Se o raciocínio americano
fosse correto, seria necessário concluir que George Washington, que aplicava,
como presidente dos Estados Unidos, um programa econômico baseado no
protecionismo, foi decididamente um líder fascista.
É compreensível então a enorme pressão a que o peronismo foi
submetido quando decidiu implementar uma política de proteção da indústria
nascente na Argentina. Política que consistiu, em um primeiro momento, no
estabelecimento de "restrições quantitativas baseadas em um sistema de
estudo prévio e quotas de importação para certos itens ... Desta forma, o
Estado controlava o uso das divisas e privilegiava setores industriais para que
pudessem incorporar os equipamentos e os insumos de que necessitavam ... O
sistema previa a aplicação de direitos aduaneiros adicionais, quotas de
importação, isenções fiscais e taxas de câmbio preferenciais". [44] É
importante enfatizar que "mais importante do que as tarifas aduaneiras
resultaria no controle das importações mediante a concessão de licenças
anteriores ou a fixação de quotas e taxas de câmbio preferenciais, ferramentas
que estavam sob a supervisão do BCRA e do Ministério da Indústria. Um conjunto
de quotas de importação foi estabelecido para estimular produções específicas
consideradas de interesse nacional"[45]
Com sua política econômica, o peronismo se insubordinava.
Como em seu tempo, os Estados Unidos, a Alemanha e o Japão o fizeram, aos
ditames do poder hegemônico e teve que resistir a todos os tipos de pressões e
agressões. Nesse marco - não idílico - pouco importa se o peronismo estabeleceu
ou não uma hierarquia clara de objetivos, ou se estabeleceu meticulosamente os
instrumentos específicos a serem utilizados para atingir os objetivos gerais
definidos no Plano quinquenal, como pretendem ingenuamente alguns economistas,
sem entender que, a improvisação se devia, entre outras razões, a que a
Argentina estava quase em estado de guerra com os Estados Unidos, uma potência
que não estava disposta a permitir, naquele momento, na periferia do sistema,
nenhuma experiência protecionista ou pró-industrial.
Já era uma façanha, que o governo peronista conseguisse
manter-se firme em sua defesa da indústria nascente e elaborasse, para esse
fim, um plano quinquenal que até mesmo se atrevia a fornecer "... o
estímulo à produção de novas atividades substitutivas de importações de alguns
insumos industriais básicos (químicos e siderúrgicos), entre os quais os que
serviriam para impulsionar a DGFM e de outras que possuíam capacidade de
exportação, como manufaturas de lã e óleos vegetais promovidas pelo regime de
crédito."[46]
O peronismo tentou defender a indústria nascente com uma
bateria de medidas, algumas bem-sucedidas e outras equivocadas, mas é
importante salientar a este respeito que "a medida mais significativa das
medidas destinadas a favorecer o desenvolvimento de manufaturas industriais
foi, sem dúvida, a política de crédito desenvolvida principalmente através do
BCIA (sigla do Banco de Crédito Industrial Argentino), mas também do Banco da
Nação Argentina, dos bancos provinciais e de outras instituições financeiras,
como a IAPI, ou o IMIM, que mobilizaram depósitos e outros recursos recursos
financeiros para as necessidades das atividades produtivas". [47]
Deve-se lembrar que a política peronista, muito criticada,
de promover a industrialização através da política de crédito, era muito
semelhante à realizada, na época, pela Alemanha, para promover seu
desenvolvimento industrial, não isento, por sinal, de inúmeros casos de
corrupção.
Felizmente para a Alemanha, a decolagem econômica iniciada
pelo Zollverein - a União Aduaneira que protegeu a indústria alemã da
concorrência britânica - foi apoiada pelo Seehandlung, um tipo de banco de
desenvolvimento industrial sob controle do Estado que: "... desempenhou um
papel capital no financiamento e no equipamento da indústria; em suma, foi ela
quem dirigiu o Zollverein, e isso apesar da resistência de parte da
população". [48]
Através do Seehandlung, os industriais alemães tiveram a
oportunidade de acessar financiamento de longo prazo e de baixo juro que, de
outra forma - no que chamaríamos agora de "condições de mercado" -
eles nunca poderiam ter obtido.
Em um estilo coloquial, José Pablo Feinmann esclarece
perfeitamente o significado da política de crédito do desenvolvimento industrial
realizada pelo peronismo:
"A canalização do crédito não é econômica, é
ideológica. Responde a um projeto. Ou dou crédito a uma empresa que responde à
banca privada e internacional, ou a um pequeno agricultor, a um pequeno
industrial de Avellaneda ou Munro. E para aquele agricultor e aquele pequeno
industrial, nada lhe é pedido como garantia. O Estado investe nele. Ele não
quer ganhar dinheiro com ele. Ele sabe que ganhará soberania". [49]
O outro elemento fundamental da política peronista destinada
a defender a indústria nascente foi o IAPI (Instituto Argentino de Promoção do
Intercâmbio)
"Para os antiperonistas e a propaganda da
'Libertadora', a IAPI era uma cova de ladrões. Como se eles não tivessem
roubado. Eles se apropriaram do país simplesmente. Eles se apropriaram de 1852
em diante. Isso significa que era deles? Eles o construíram de acordo com os
interesses da Grã-Bretanha e para os benefícios do Pampa úmido, classe ociosa,
improdutiva, desagradável, petulante, com professores franceses, racistas, com
ódio ao negro e ao índio, que massacraram. Quem pode duvidar de que houve
corrupção na IAPI? ... Mas o sentido da IAPI permaneceu o mesmo. Foi a
nacionalização do comércio exterior. Um insulto! Tiraram da oligarquia de bosta
o poder de negociar diretamente com o comprador externo. A IAPI chega a cobrir
75% das exportações argentinas. E os dividendos não são para o agronegócio,
eles são para a indústria."[50]
As semelhanças entre a política econômica muito criticada do
peronismo e a realizada pelo Japão após a Segunda Guerra Mundial são
impressionantes. O muito criticado IAPI, cumpriu em parte, a mesma função que,
no Japão, cumpriu o MITI, o de ser o QG e motor da economia. É por esta razão
que acreditamos ser necessário lembrar que, da era Meiji para a Segunda Guerra
Mundial, o Estado japonês desempenhou um papel decisivo no desenvolvimento
industrial. O Estado construiu e distribuiu fábricas e as sustentou, através de
subsídios, quando estes, por alguma conjuntura externa, não eram lucrativos,
como aconteceu, por exemplo, com a Toyota, que não só foi assistida, mas, além
disso, foi quatro vezes resgatada da falência, pelo próprio Estado japonês.
[51]
A Obra Pública como
Elemento Central do Impulso Estatal
O impulso estatal necessário para pôr em ação todas as
potencialidades contidas na Argentina, em seu território e em seu povo, foi
realizado pelo peronismo principalmente através da planificação e execução de
um plano de obras públicas que, devido ao seu tamanho, nunca antes havia sido
visto na história argentina.
No entanto, além da lista feita, com relutância, por muitos
dos acadêmicos que se dedicaram a estudar o peronismo, a descrição das obras e
a explicação da importância de cada uma delas, brilha, não-cientificamente, por
sua ausência.
Como o déficit energético estrutural da Argentina
"impediu o desenvolvimento industrial" e constituía o "calcanhar
de Aquiles" de qualquer projeto de industrialização, o principal esforço
do governo peronista visava superar esse problema estratégico.
O plano de obras públicas foi lançado em 19 de janeiro de
1947, apenas 6 meses após a assunção oficial do governo, pelo presidente Perón,
em 4 de junho de 1946. As primeiras medidas consistiram em terminar os
trabalhos iniciados pela revolução de 4 de junho de 1943: os diques Escaba em
Tucumán e Nihuil em Mendoza, com suas usinas hidrelétricas e o dique Los
Quiroga em Santiago del Estero.
Conclusão
Se entendemos que uma insubordinação fundadora consiste na
rejeição da ideologia de subordinação, exportada pelas potências dominantes,
além da aplicação de um impulso estatal adequado, não há dúvida de que o
peronismo foi uma tentativa de insubordinação fundadora. Ou seja, o peronismo
lançou um processo de insubordinação fundadora semelhante ao iniciado nos
Estados Unidos, por George Washington e continuado por Abraham Lincoln e seus
sucessores, ou o iniciado, na Alemanha, por Friedrich List e complementada por
Otto von Bismark, ou ao iniciado no Japão, pela Revolução Meiji ou o realizado,
no Canadá para John Macdonald e o Partido Conservador, ou para o mais
recentemente realizado pela Coréia do Sul.
A tentativa de insubordinação fundadora, realizada pelo
peronismo, foi truncada, porque foi interrompida pelo golpe militar que, em
setembro de 1955, derrubou o governo constitucional presidido por Juan Domingo
Perón. É lógico afirmar, então, que o peronismo é uma insubordinação fundadora
e inacabada.
Fontes:
BELINI, Claudio, Convenciendo al capital. Peronismo,
burocracia, empresarios y política industrial, 1943-1955, Buenos Aires, ed
Imago Mundi, 2014.
BIEDA, Karl, The Structure an Operation of the Japanese
Economy. Sydney, ed. John Wiley, 1970
BROCHIER, Hubert. Le miracle économique japonais 1950-1970,
París, ed. Calman-Levy, 1970.
CHANG, Ha-Joon, ¿Qué fue del buen samaritano? Naciones
ricas, políticas pobres, Buenos Aires, ed. Universidad Nacional de Quilmes,
2009.
CHÁVEZ, Fermín, Historia del peronismo, Tomo II,
Buenos Aires, ed. Oriente 1984.
DROZ, Jacques La formación de la unidad alemana 1789-1871,
Barcelona, ed., Vinces-Vives, 1973
FEINMANN, José Pablo, Peronismo. Filosofía política de una
persistencia argentina, Tomo 1, Buenos Aires, ed. Planeta.
GADDIS, John Lewis, Estados Unidos y los orígenes de la
Guerra Fría 1941-1947, Buenos Aires, Grupo Editor Latinoamericano, 1989,
GALASSO, Norberto,
Perón. Formación, ascenso y caída (1893-1955), Buenos Aires, ed.
Colihue, 2011.
GUILLAIN, Robert. Japon Troisieme Grand. París, ed. Seuil,
1969.
GULLO, MARCELO, La Insubordinación Fundante. Breve historia
de la construcción del poder de las naciones, Buenos Aires, ed. Biblos, 2008.
GULLO, Marcelo, Insubordinación y desarrollo. Las claves del
éxito y el fracaso de las naciones,
Buenos Aires, ed. Biblos, 2012.
JAURETCHE, Arturo El Plan Prebisch, retorno al coloniaje,
Buenos Aires, Ediciones 45, 1955.
JAURTECHE, Arturo, Política y Economía, Buenos Aires, ed.
Peña Lillo, 1977.
MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto, Argentina, Brasil y Estados
Unidos. De la Triple Alianza al Mercosur, Bs As., ed. Norma, 2004
MORGENTHAU, Hans, Política entre las naciones. La lucha por
el poder y la paz. Buenos Aires, Grupo Editor Latinoamericano, 1986.
OHKAWA, Kazuski and ROSOVSKI, Henry. Japanese Economic
Growth. Trend Acceleration in the Twentieth Century. Stanford, Stanford
University Press, 1973.
RAPOPPORT, Mario. Historia económica, política y social de
la Argentina (1880-2003), Buenos Aires, ed. Ariel, 2006.
REINERT, Eric, La globalización de la pobreza. Cómo se
enriquecieron los países ricos y por qué los países pobres siguen siendo
pobres, Barcelona, ed. Crítica, 2007.
ROUGIER, Marcelo, La economía del peronismo. Una perspectiva
histórica, Buenos Aires, 2012
SATO, Seiichiro. “The Trouble with MITI”, Japan Echo, Vol.
V, N°3, 1978, págs. 54-65.
SEVARES, Julio, Porque crecieron los países que crecieron,
Buenos Aires, ed Edhasa, 2010
TOUSSAINT, Eric, Banco Mundial. El golpe de estado
permanente. La agenda oculta del Consenso de
Washington, Madrid, ed., El Viejo
Topo, 2007.
TRIAS, Vivián, El Imperio británico, Cuadernos de Crisis nº
24, Buenos Aires, ed. Del noroeste, 1976.
ZAITSEV, V. “Japan’s Economic Policies: Illusions and
Realities”. Far Eastern Affaires, n°1, 1978.
[1] Para Hans Morgenthau, através da subordinação
ideológica, que ele chama de imperialismo cultural, as grandes potências não
reivindicam a conquista de um território ou o controle da vida econômica, mas o
controle das "mentes dos homens" como ferramenta para a modificação
das relações de poder: "Se puder ser imaginado - diz Hans Morgenthau - a
cultura e, mais particularmente, a ideologia política de um Estado A com todos
os seus objetivos imperialistas concretos no processo de conquista das
mentalidades de todos os cidadãos que fazem a política de um Estado B,
observaremos que o primeiro dos Estados teria conseguido uma vitória mais do
que completa e teria estabelecido seu domínio sobre uma base mais sólida do que
a de qualquer conquistador militar ou mestre econômico. O Estado A não
precisaria ameaçar com a força militar ou usar pressões econômicas para
alcançar seus fins. Para isso, a subordinação do Estado B à sua vontade teria
sido produzida pela persuasão de uma cultura superior e pela maior atratividade
de sua filosofia política." MORGENTHAU, Hans, política entre as nações. A
luta pelo poder e pela paz. Buenos Aires, Latin American Publishing Group,
1986, p. 86
[2] A partir da análise histórica séria, não há nenhuma
dúvida de que a Grã-Bretanha era a "pátria do protecionismo
econômico". A primeira tentativa de desenvolver o fabrico de tecido de lã
- deliberadamente alterando os princípios do livre comércio e do mercado livre
- foi realizada por Eduardo III (1327-77). Este, clara e simplesmente, proibiu
a importação de tecidos de lã. É importante notar que, depois de Eduardo III, a
orientação dada por ele à economia inglesa foi continuada por seus sucessores
que procederam, em 1455, a proibir a introdução de tecidos de seda para
favorecer os artesãos ingleses. Anos depois, para deslocar os comerciantes
italianos e flamengos, os estrangeiros estavam proibidos de exportar lã. Em
1464 - como enfatiza Henri Pirenne - a monarquia decretou a proibição da
entrada de panos do continente, anunciando assim a política decididamente
protecionista que, alguns anos mais tarde, Henrique VII realizaria, a partir de
1489. Não há dúvida de que, a partir de Henrique VII, o protecionismo econômico
tornou-se uma verdadeira política de Estado. Henrique VII e Isabel I utilizaram
o protecionismo, os subsídios, a distribuição de direitos de monopólio, a
espionagem industrial patrocinada pelo governo e outros meios de intervenção
governamental, para desenvolver a indústria de fabricação de lã da Inglaterra,
naquele momento, o setor tecnologicamente mais avançado da Europa. Em 1565,
Isabel renovou e reformulou a proibição de exportação de ovelhas vivas
estabelecida por Eduardo III, castigando com um ano de prisão e a amputação da
mão esquerda, a todo súdito que violasse a proibição de exportar ovelhas vivas.
Em caso de reincidência, a legislação permitiu a aplicação da pena de morte.
Finalmente, em 1578, Isabel estimou que a Grã-Bretanha estava agora em
condições de processar toda a produção de lã e procedeu, como resultado, a
proibir totalmente a exportação de lã virgem. Isabel I, além de promover a
indústria de fabricação de lã, promoveu toda a economia nacional inglesa,
protegendo a indústria emergente de metalurgia, refinando açúcar, vidro, sabão,
alumínio e sal. Isabel, desenvolveu o mercado interno para a indústria
nascente, estabelecendo salários mínimos, ditando várias leis protetoras dos
camponeses e proporcionando trabalho para os pobres. Durante os 45 anos de
reinado de Isabel I, a Inglaterra desfrutou de uma extraordinária prosperidade
econômica.
Sobre o modo como o protecionismo econômico e o impulso
estatal foram a chave para o desenvolvimento industrial da Inglaterra, os
seguintes trabalhos podem ser consultados: CHANG, Ha-Joon, o que aconteceu com
o bom samaritano? Nações ricas, políticas pobres, Buenos Aires, ed.
Universidade Nacional de Quilmes, 2009. GULLO, MARCELO, A Insubordinação
Fundamental. Breve história da construção do poder das nações, Buenos Aires,
ed. Byblos, 2008. GULLO, Marcelo, insubordinação e desenvolvimento. As chaves
para o sucesso e o fracasso das nações, Buenos Aires, ed. Byblos, 2012.
REINERT, Eric, a globalização da pobreza. Como os países ricos se enriqueceram
e por que os países pobres continuam pobres, Barcelona, ed. Crítica, 2007.
TRIAS, Vivián, O Império Britânico, Cuadernos de Crisis nº 24, Buenos Aires,
ed. Do noroeste de 1976.
[3] JAGUARIBE, Helio, prólogo a La insubordinación fundante.
Breve historia de la construcción del poder de las naciones, GULLO, Marcelo,
op. cit, p. 14.
[4] A respeito ver, GULLO, Marcelo, La insubordinación
fundante. Breve historia de la construcción del poder de las naciones,
op.cit. También GULLO, Marcelo,
Insubordinación y desarrollo. Las claves del éxito y el fracaso de las
naciones, op,cit. Nessas duas obras se
analisam os processos de construção do poder nacional, de industrialização e de
desenvolvimento econômico, dos EUA, Alemanha, Japão, Canadá, Coreia do Sul e
China, como processos de insubordinação fundadora.
[5] FEINMANN, José Pablo, Peronismo. Filosofía política de
una persistencia argentina, Tomo 1, Buenos Aires, ed. Planeta, p. 121.
[6] Al respecto ver GULLO, Marcelo, La insubordinación
fundante, op.cit y GULLO, Marcelo
Insubordinación y Desarrollo, op.cit.
[7] GULLO, Marcelo, La insubordinación fundante, op.cit págs. 98 y 99.
[8] FEINMANN, José Pablo, op.cit., p. 123.
[9] CHÁVEZ, Fermín, Historia del peronismo, Tomo II,
Buenos Aires, ed. Oriente 1984, p. 145.
[10] GULLO, Marcelo, Insubordinación y desarrollo, op. cit.,
págs. 123 a 138.
[11] CHÁVEZ, Fermín,
pág. 146.
[12] Ibíd., p. 146.
[13] Ibíd., p. 146.
[14] JAURETCHE,
Arturo El Plan Prebisch, retorno al coloniaje, Buenos Aires, Ediciones 45,
1955, p. 23
[15] RAPOPPORT, Mario. Historia económica, política y social
de la Argentina (1880-2003), Buenos Aires, ed. Ariel, 2006, p. 225.
[16] No artigo 10 do projeto Niemeyer, foi estabelecido:
"O presidente e o vice-presidente serão pessoas de reconhecida experiência
bancária e financeira e serão eleitos pela Assembléia Geral de Acionistas
mediante proposta do Conselho. Sua nomeação estará sujeita à aprovação do Poder
Executivo. E, a reforma fundamental do Sr. Prebisch ... leva ao seguinte texto:
o Presidente e o Vice-Presidente serão pessoas de reconhecida experiência
bancária e financeira e serão nomeados pelo Poder Executivo dentro das breves
listas escolhidas pela Assembléia Geral, sob proposta do Conselho." A este
respeito, Arturo Jauretche afirma: "A reforma, como será apreciada, está
longe de ser patriótica. O técnico inglês teve a bondade de conceder aos
governos argentinos, a faculdade de aprovar ou rejeitar as propostas feitas
pela Assembléia, onde os bancos estrangeiros tinham maioria ou eram
direcionados do exterior. Por outro lado, o técnico argentino, suprimiu o
governo de seu próprio país desse poder, obrigando-o a optar, necessariamente
entre os membros das listas que fazem os representantes dos interesses
estrangeiros. Algo como o direito móvel do condenado a escolher entre a forca e
a guilhotina".
JAURETCHE, Arturo, El Plan Prebisch, retorno al coloniaje,
op.cit., págs. 22 y 23.
[17] Ibíd., p.23.
[18] GALASSO, Norberto,
Perón. Formación, ascenso y caída (1893-1955), Buenos Aires, ed.
Colihue, 2011, p. 415.
[19] MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto, Argentina, Brasil y
Estados Unidos. De la Triple Alianza al Mercosur, Bs As., ed. Norma, 2004, p.
545
[20] GADDIS, John Lewis, Estados Unidos y los orígenes de la
Guerra Fría 1941-1947, Buenos Aires, Grupo Editor Latinoamericano, 1989, p. 34.
[21] Ibíd., p. 36.
[22] Ibíd., p. 37.
[23] Ibíd., p. 34.
[24] Ibíd., p. 35.
[25] Ibíd., p. 35.
[26] Ibíd., p. 37.
[27] Ibíd., p. 37.
[28] BANDEIRA, Luiz Alberto, op. cit. p. 186
[29] HULL, Cordell, The memories of Cordell Hull, vol. 2, Nueva York, 1948, ed. MacMillan, p.
1390 y 1391.
[30] Telegrama, n 3, confidencial, Martins a Vargas,
Washington, 11/1/1944; AGV, doc. 6, vol. 43 (Hull, 1948: II, 1390-1391) Citado
por BANDERIA, Luiz Alberto, op. cit., p
. 181.
[31] COUTINHO, Lourival, O General Góes depoe, Río de
Janeiro, ed. Coelho Branco, 1956, págs. 400 y 401.Documentos citados por
BANDERIA, Luiz Alberto, op. cit. p. 182.
[32] Memorando, confidencial, Góes Monteiro, representante
del Brasil en la Comisión Consultiva de Emergencia para la Defensa Política del
Continente, a Aranha, Montevideo,
18/3/1944; AGV, doc. 47, vol. 43.
Telegrama n 16, confidencial, Góes Monteiro a Itamaraty, 9/3/1944; AGV, doc.
51, vol 43. Telegrama, n 137, secreto, Britsh Embassy para Viscount Halifax,
Rio de Janeiro, 14/3/1944; PRO_FO 371/37842, File A 1672. Telegrama n 6, Carlos Martins,
embajador de Brasil en Washington, a Vargas, Washington, 9/3/1944; AGV, doc.
49, vol. 43. Documentos citados por
Citado por BANDERIA, Luiz Alberto, op.
cit. P. 181.
[33] Despacho n 35,
personal y secreto. Noel Charles a sir David Scott, Rio de Janeiro, 17/2/ 1944;
PRO-FO, 371/37842, File AS1499. Documentos citados por BANDERIA, Luiz Alberto, op. cit. P. 182.
[34] Telegrama, Góes Monteiro al Itamaraty, Montevideo,
13/3/1944; AGV, doc. 51,43. Documentos citados por BANDERIA, Luiz Alberto, op. cit., p. 182.
[35] Despacho Ref. G.390, Top Secret, R. H. Hadow a J. V.
Perowne (South American Department),
Washington, 29/12/1944; PRO_FO, 371/44684, File AS396. Memorando de
Cordelll Hull, julio de 1944, opuesto al reconocimiento de gobierno del general Farrell. Informe de
la censura, conversación telefónica entre Philip Chalmers (Washington) y
Jefferson Caffery (Rio de Janeiro), 27/7/1944 (examinado) y 25/7/1944; AGV,
doc.52, vol. 44. Documentos citados por BANDERIA, Luiz Alberto, op. cit., p. 183.
[36] BELINI, Claudio, Convenciendo al capital. Peronismo,
burocracia, empresarios y política industrial, 1943-1955, Buenos Aires, ed
Imago Mundi, 2014, p. 9.
[37] Ibíd., p. 9.
[38] Ibíd., p. 4.
[39] Ibíd., p. 19.
[40] JAURTECHE, Arturo, Política y Economía, Buenos Aires,
ed. Peña Lillo, 1977, p. 67.
[41] Ibid., págs. 67 y 68.
[42] Coréia do Sul, com uma área equivalente à província do
Chaco, sem possuir no seu território ferro mineral, carvão, petróleo ou gás ou
qualquer possibilidade de obtenção de energia hidrelétrica conseguiu se
industrializar através da execução de 7 planos quinquenais. No primeiro deles
(1962-1966), foi dada prioridade ao desenvolvimento de energia e a indústria
ligeira especificamente para a produção de fertilizantes para melhorar o
rendimento agrícola, para a consolidação da indústria têxtil e para a produção
de cimento. No segundo plano quinquenal (1967-1971), a ênfase foi dada à
criação da indústria petroquímica, à fabricação de equipamentos eletrônicos e à
fabricação de fibras sintéticas. Somente no terceiro plano quinquenal
(1972-1976), o governo coreano estabeleceu a criação de uma poderosa indústria
siderúrgica, incentivando a construção naval, equipamentos de transporte e a
fabricação de eletrodomésticos. Por outro lado, é importante notar que a Coréia
do Sul, para chegar a se tornar de uma miserável economia agrícola a um poder
industrial formidável, aplicou:
1) Uma forte intervenção estatal na economia que liderou o
processo de industrialização com mão de ferro;
2) A aplicação de tarifas protecionistas, subsídios e outras
formas de auxílio estatal para isolar a indústria nascente da Coreia da
concorrência estrangeira;
3) A realização desde o início de uma reforma agrária
radical;
4) A aplicação de um modelo de industrialização por
substituição de importações durante 25 anos, que foi progressivamente
convertido em substituição das exportações, um passo que não teria sido
possível sem o passo anterior;
5) A criação de empresas estatais para produzir tudo o que o
setor privado não estava em condições de fazer;
6) Controle estatal sobre o setor bancário, dado que o
governo possuía quase todos os bancos;
7) A aplicação de uma planificação econômica através de
planos quinquenais;
8) O mais rígido controle do câmbio e dos movimentos de
capital.
9) Fixação estatal de preços máximos para uma ampla gama de
produtos.
10) O controle mais estrito do investimento estrangeiro,
permitindo-o em certos setores e excluindo-o inteiramente de outros setores
considerados no plano de desenvolvimento nacional como estratégicos.
11) O encorajamento pelo Estado da retroengenharia, isto é,
da cópia sem a permissão dos produtos fabricados e patenteados por outros
países, falando de modo claro o encorajamento e apoio do Estado para que a
crescente burguesia coreana praticasse a mais flagrante pirataria industrial
É importante notar que o exitoso modelo coreano não tinha o
sistema de banco central independente recomendado pela ortodoxia econômica.
Paralelamente, desafiando outra das receitas liberais, o mercado interno sempre
foi isolado do internacional e reservado para empresas locais.
Al respecto ver, GULLO, Marcelo, Insubordinación y
desarrollo, op. cit. CHANG, Ha-Joon,
¿Qué fue del buen samaritano? Naciones ricas, políticas pobres, op cit.
TOUSSAINT, Eric, Banco Mundial. El golpe de estado permanente. La agenda oculta
del Consenso de Washington, Madrid,
ed., El Viejo Topo, 2007 y SEVARES, Julio, Porque crecieron los países
que crecieron, Buenos Aires, ed Edhasa, 2010.
[43] ROUGIER, Marcelo, La economía del peronismo. Una
perspectiva histórica, Buenos Aires,
2012, p. 88.
[44] Ibíd., págs. 86 y 87.
[45] Ibíd., p. 90.
[46] Ibíd., p. 88.
[47] Ibíd., p. 82.
[48] DROZ, Jacques La formación de la unidad alemana
1789-1871, Barcelona, ed., Vinces-Vives,
1973, p. 138.
[49] FEINMANN, José Pablo, op.cit. p. 125.
[50] Ibíd., p. 126.
[51] Uma das primeiras medidas do governo Meiji foi fundar
inúmeras empresas industriais estatais. O Estado criou e administrou todas as
primeiras grandes indústrias do Japão. Até o ano de 1884, havia apenas um ator
no Japão que realizou os estudos de viabilidade, construiu as fábricas, comprou
a maquinaria e administrou as empresas criadas: o Estado. Em 1884, depois de
ter criado um impressionante parque industrial, o Estado japonês decidiu
entregar a maioria das empresas estatais a particulares. Em 1911, o governo
japonês - inspirado pelas leis americanas para a promoção da indústria naval em
1789 - proibia a navegação costeira para países estrangeiros. O Mitsubishi
então fundaram em combinação com os Mitsui e os Okura a "Osaka Shosen
Kaisha" e, em seguida, o "Kogusai Kisen Kaisha" que permitiu ao
Japão não só navegar em seu litoral, mas também criar linhas de navegação para
a África, a Austrália, Estados Unidos, Europa e América do Sul.
Em 1930, o Exército, para complementar o desenvolvimento
industrial, construiu um importante complexo industrial e depois repetiu a
metodologia aplicada pela Revolução Meiji para transferir essas empresas para
particulares. Assim, graças a um novo impulso estatal prosperaram, sob proteção
militar, empresas como Nissan, Nihon Chiso (Nitrogênio do Japão), Nihon Soda
(Soda of Japan), Showa Denko (Electric Showa)". GULLO, Marcelo, A
insubordinação fundadora, op.cit.
[52]. Sobre el papel del MITI, cerebro de la economía
japonesa durante la reconstrucción económica del Japón, ver: BROCHIER, Hubert.
Le miracle économique japonais 1950-1970, París, ed. Calman-Levy, 1970.
ZAITSEV, V. “Japan’s Economic Policies: Illusions and Realities”. Far Eastern
Affaires, n°1, 1978, págs. 86-100 y SATO, Seiichiro. “The Trouble with MITI”,
Japan Echo, Vol. V, N°3, 1978, págs. 54-65.
[53]. OHKAWA, Kazuski and ROSOVSKI, Henry. Japanese Economic
Growth. Trend Acceleration in the Twentieth Century. Stanford, Stanford
University Press, 1973; p 27.
[54]. GUILLAIN, Robert. Japon Troisieme Grand. París, ed.
Seuil, 1969.
[55]. BIEDA, Karl, The Structure an Operation of the
Japanese Economy. Sydney, ed. John Wiley, 1970, p. 52.
Comentários
Postar um comentário