Por uma Democracia Iliberal
Por Alain de Benoist
Vou falar com vocês sobre um fenômeno relativamente novo que
não é alheio ao tema de hoje. É o iliberalismo. A palavra é um pouco bárbara,
mas seu significado é bastante claro: designa o surgimento de novas formas
políticas que afirmam ser democráticas, mas ao mesmo tempo querem romper com a
democracia liberal que está em crise hoje em praticamente todos os países do
mundo.
O termo surgiu no final dos anos 90 nos escritos de vários
cientistas políticos ilustres, mas só recentemente, em 2014, tornou-se popular
entre o público em geral quando o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán
declarou publicamente em uma universidade de verão de seu partido: “A nação
húngara não é um agregado de indivíduos, mas uma comunidade que devemos
organizar, fortalecer e também nutrir. Neste sentido, o novo Estado que estamos
construindo não é um Estado liberal, mas um Estado iliberal”. Ele acrescentou
que chegou a hora de “entender os sistemas que não são ocidentais, que não são
liberais e que ainda assim fizeram certas nações terem sucesso”.
O que ele quis dizer
com isso? E qual é a diferença fundamental entre democracia liberal e
democracia iliberal?
A diferença é que o liberalismo está organizado em torno da
noção de indivíduo e em torno da noção de humanidade, eliminando todas as
estruturas intermediárias, enquanto a democracia iliberal, que nada mais é do
que democracia plena, está, em última instância, organizada fundamentalmente em
torno da noção de cidadão. Neste sentido, ela pode ser definida como uma
doutrina que separa o exercício clássico da democracia dos princípios do Estado
de Direito. É uma forma de democracia onde a soberania popular e a eleição
continuam a desempenhar um papel fundamental, mas onde não há hesitação em
abrogar certos princípios liberais quando as circunstâncias assim o exigem.
As causas do crescimento do “iliberalismo” são óbvias e, em
muitos aspectos, se sobrepõem àquelas que explicam o sucesso dos partidos
populistas de hoje. Elas se baseiam principalmente na observação de que as
democracias liberais foram transformadas em quase todos os lugares em
oligarquias financeiras isoladas do povo: ineficiência, impotência, corrupção,
partidos transformados em meras máquinas eleitorais, reinado de especialistas,
visões de curto prazo, e assim por diante. A essa observação se soma outra,
mais grave: Nas democracias liberais, as nações e os povos não têm mais meios
para defender seus interesses. Que sentido pode ter a soberania dos povos se os
governos não têm mais a independência necessária para estabelecer suas próprias
grandes orientações econômicas, financeiras, militares ou mesmo de política
externa? Podemos continuar impondo princípios legais que, em vez de promover a
coesão dos povos e a perpetuação de seus valores comuns, levem à sua
dissolução? Vejamos isso em detalhes. A democracia se baseia inteiramente no
princípio da soberania popular como poder constituinte. A democracia é a forma
de governo que responde ao princípio de identidade das opiniões dos governantes
e governados, sendo a identidade primária a de um povo que existe concretamente
por si mesmo como unidade política. Todos os cidadãos pertencentes a esta
unidade política são formalmente iguais.
O liberalismo é bem diferente. Enquanto a política não é uma
“esfera” nem um domínio separado de outros, mas uma dimensão elementar de
qualquer sociedade ou comunidade humana, o liberalismo é uma doutrina que, no
nível político, divide a sociedade em várias “esferas” e diz que a “esfera
econômica” deve ser autônoma do poder político, seja por razões de eficiência
(o mercado só funciona de forma ótima se nada interferir em seu “funcionamento
natural”), ou por razões “antropológicas” (a liberdade de comércio, diz
Benjamin Constant, liberta o indivíduo do poder social, pois é, por definição,
o intercâmbio econômico que melhor permite que os indivíduos maximizem
livremente seus interesses). A economia, originalmente percebida como o reino
da necessidade, torna-se assim o reino da liberdade por excelência.
Redefinida no sentido liberal, a democracia não é mais o
regime que consagra a soberania do povo, mas aquele que “garante os direitos
humanos”, ou seja, os direitos subjetivos, inerentes à pessoa humana e, portanto,
declarados “naturais e imprescritíveis”. Para os liberais, estes direitos
humanos prevalecem sobre a soberania do povo na medida em que esta é
respeitada, na medida em que não os contradiz: o exercício da democracia é
assim colocado sob condições, a começar pela condição de respeitar os “direitos
inalienáveis” que qualquer indivíduo teria em razão de sua própria existência.
Confundida com um “Estado de Direito” que se tornou o horizonte insuperável de
nosso tempo, a democracia se transforma em um movimento em direção a uma
igualdade cada vez maior, esta igualdade, supostamente resultante do livre
confronto de direitos, não é mais entendida como sinônimo de uniformidade. O
Estado de Direito dissolve a política sob o efeito corrosivo da multiplicação dos
direitos. Como diz Marcel Gauchet, “quando invocados incessantemente, os
direitos humanos acabam paralisando a democracia”.
O Estado de Direito, vale lembrar, é antes de tudo um Estado
de Direito privado, implica a primazia do direito sobre o poder político e se
baseia no imperativo da obediência à lei. Embora se apoie na metafísica dos
direitos humanos, a única que deve garantir a dignidade humana, ela consagra o
poder das leis gerais como regras gerais obrigatórias para todos, a começar
pelos líderes. A legitimidade é então reduzida à mera legalidade, reinando a
lei positiva de forma puramente impessoal e processual. Carl Schmitt demonstrou
que este sistema elimina a própria noção de legitimidade e é incapaz de
funcionar em situações de emergência, onde as normas não são mais válidas. Esta
substituição da política pelo direito ou pela lei acaba por esvaziar a política
de sua substância.
O império da lei anda necessariamente de mãos dadas com o
individualismo liberal e sua concepção de uma liberdade totalmente “negativa”,
que diz respeito apenas ao indivíduo e nunca ao coletivo. Isto explica porque o
liberalismo é fundamentalmente hostil à noção de soberania, exceto, é claro, à
soberania do indivíduo. Para ele, qualquer forma de soberania além do indivíduo
é uma ameaça à liberdade. Ele condena, portanto, a soberania política e a
soberania popular com o argumento de que a legitimidade pertence apenas à
vontade individual. “Assim que há soberania, há despotismo”, como Pierre-Paul
Royer-Collard já havia dito. Uma vez que o indivíduo é soberano em termos
absolutos, o povo não goza de uma legitimidade intrínseca.
Ao não reconhecer a validade de qualquer decisão democrática
que possa prejudicar os princípios liberais ou a ideologia dos direitos
humanos, o liberalismo, portanto, nunca admite que a vontade do povo deva ser
sempre respeitada. Todas as democracias liberais são democracias parlamentares
representativas, o que significa que a soberania parlamentar substitui a
soberania popular. Para o liberalismo, de fato, o poder não tem primariamente o
poder de dirigir, mas de representar a sociedade. Daí o papel fundamental dos
representantes que, uma vez eleitos, podem fazer o que quiserem com o poder que
lhes foi cedido para seu benefício. Entretanto, o povo tem menos vocação para
ser representado, já que só é verdadeiramente soberano quando está presente
diante de si mesmo. A democracia liberal, pode-se dizer, é uma democracia sem
demos, uma democracia sem povo.
Mas, pode-se dizer,
qual é a relação com as fronteiras? A relação é óbvia, e por duas razões.
A ideologia dos direitos humanos, como eu já disse, só quer
conhecer a humanidade e o indivíduo. Entretanto, a política se articula sobre o
que existe entre essas duas noções: povos, culturas, Estados, territórios, nos
quais o liberalismo quer ver apenas simples agregados de indivíduos. A
humanidade não é em si um conceito político: não se pode ser um “cidadão do
mundo”, porque o mundo político não é um universum, mas um pluriversum: o
político implica uma pluralidade de forças presentes. Segue-se, como Michael
Sandel escreve, que “os princípios universais não são adequados para
estabelecer uma identidade política comum”. É por isso que a política implica a
existência de fronteiras, sem as quais a distinção entre cidadãos e
não-cidadãos não tem sentido. E a própria democracia exige que haja fronteiras,
pois somente dentro de uma estrutura territorial bem definida, que determina a
estrutura para o exercício da soberania, o jogo democrático pode ser jogado.
Foi isso que o jurista Bertrand Mathieu observou muito recentemente quando
escreveu: “A democracia implica a existência de uma sociedade política,
inscrita dentro das fronteiras e constituída por um povo composto de cidadãos
ligados por uma comunidade de destino e compartilhando valores comuns”.
Neste sentido, não é coincidência que as democracias
iliberais comecem a se multiplicar no exato momento em que a União Europeia
está em colapso devido à crise migratória. Nem é por acaso que essas
democracias iliberais que vemos hoje na Europa Central e Oriental estão
tentando se dotar de fronteiras dignas desse nome, como evidenciado pela
substituição das barreiras através das quais estão lutando para conter os
fluxos migratórios. Para o liberalismo, por outro lado, o princípio essencial é
o do “laissez faire, laissez passer”: a livre circulação de pessoas, bens e
capitais.
Este é um exemplo da antiga oposição entre a Terra e o Mar.
Somente a Terra, de fato, pode conhecer fronteiras, enquanto elas não podem ser
estabelecidas nos mares e oceanos. Os fluxos migratórios, como os fluxos
comerciais e financeiros, pertencem ao mundo “marítimo” de fluxos e recusas,
enquanto a política parece estar intrinsecamente ligada ao mundo “telúrico”,
que requer fronteiras e linhas de frente.
Mas devemos ver também – e é aqui que vou terminar – que as
fronteiras também são limites: elas dizem onde termina a autoridade política e
onde começa a autoridade política e a legítima vontade dos cidadãos de ter sua
personalidade, especificidade histórica, sua própria sociabilidade, ou seja,
seus costumes, respeitados.
Hoje, porém, vivemos em uma época de falta de limites, ou
seja, a negação geral de limites. Vivemos, poderíamos dizer, na era do “trans”:
transnacionalidade, transfronteiras, transações, transsexuais, transparência,
transgressão, transumanismo. O limite é a medida; o ilimitado é o excesso, e é
também a indiferenciação, a hibridização, a erradicação de particularidades e
das normas que a ideologia dominante há muito se propôs a desconstruir.
Esta ausência de limites encontra seu exemplo mais típico na
própria natureza do sistema capitalista. A característica fundamental deste
sistema é precisamente sua orientação para a acumulação sem fim no duplo
sentido do termo: um processo que nunca para e não tem outro fim que a
valorização do capital, um sistema onde qualquer excedente é utilizado para se
reproduzir e se expandir. Tudo o que possa dificultar a circulação de pessoas e
coisas necessárias para a expansão planetária do mercado, começando pelas
fronteiras, deve ser erradicado ou declarado inexistente. A lógica da expansão
do capital não é fundamentalmente diferente do processo de abordar o mundo que
Heidegger chama de Gestell ou maquinação (Machenschaft). Percebido como um
objeto sem significado intrínseco, o mundo é interpretado como fundamentalmente
explorável; é chamado a ser rentável e uma fonte de lucro, ou seja, “valor” no
sentido econômico do termo. É esta ausência de limites, tanto no propósito como
na prática, que faz do capitalismo um sistema baseado no excesso, a negação de
quaisquer limites, preocupado apenas em produzir cada vez mais valor para
aumentar e valorizar cada vez mais o capital.
Vocês notarão de passagem que a sociedade dos indivíduos é
naturalmente uma sociedade de mercado, porque a falta de limitação do desejo e
a inflação dos direitos respondem à falta de limites que é o próprio princípio
da reprodução do capital. O homem “econômico” visa maximizar seu interesse
assim como a Forma-Capital visa maximizar o lucro: ambos buscam expandir-se na
categoria única do possuir.
Entre a noção de fronteira e a ideologia do capitalismo
liberal, a contradição é, portanto, total. O surgimento de democracias
iliberais confirma isto. Gostaria de dizer que aquele que poderia aprender a lição,
já que conhece as críticas ocasionais ao liberalismo, é o Papa Francisco, que
no entanto nunca perde uma oportunidade de pregar um acolhimento incondicional
aos “migrantes”, sejam eles quem forem. “Devemos construir pontes e não muros”,
diz Francisco (que está aqui em seu papel porque o povo de Deus não conhece
fronteiras e um pontífice soberano é etimologicamente um pontifex, ou seja, um
homem “que constrói pontes”). Mas esta é uma alternativa inaceitável. O Papa
esquece que entre muros e pontes existem também portões, que podem ser abertos
ou fechados de acordo com as circunstâncias, e sobretudo que em certos casos a
ponte levadiça é a mais eficaz, que é baixada ou levantada para abrir ou fechar
a passagem que permite o acesso a uma cidade ameaçada.
Agora é o momento de levantar a ponte levadiça.
Fonte: Institut Iliade
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