O Fator Metafísico no Paganismo

Essas tradições que é costume chamar de "pagãs" são caracterizadas não tanto por um politeísmo real, mas por um imanentismo que permeia todos os seus aspectos. Na opinião das religiões monoteístas, a pecaminosidade teológica do "paganismo" é óbvia: ele ignora (seja consciente ou inercialmente) o princípio transcendente e apofático (isto é, formulado em termos negativos), cujo reconhecimento e culto incondicional constitui a condição sine qua non do monoteísmo.


por Aleksandr Dugin (1990)

Essas tradições que é costume chamar de "pagãs" são caracterizadas não tanto por um politeísmo real, mas por um imanentismo que permeia todos os seus aspectos. Na opinião das religiões monoteístas, a pecaminosidade teológica do "paganismo" é óbvia: ele ignora (seja consciente ou inercialmente) o princípio transcendente e apofático (isto é, formulado em termos negativos), cujo reconhecimento e culto incondicional constitui a condição sine qua non do monoteísmo. Entre as três religiões monoteístas, o judaísmo e o islamismo se agarram a esta linha de forma totalmente consistente, enquanto o cristianismo de sua parte dá passos significativos na outra direção ao afirmar que a figura central de seu culto e dogma é a hipóstase imanente do Divino, Deus, o Filho. Ao mesmo tempo, os cristãos também herdaram a argumentação abraâmica dos outros ramos do monoteísmo contra os "pagãos".

No entanto, em nossa opinião, seria errado reduzir todas as diferenças entre monoteísmo e não monoteísmo ao reconhecimento da supremacia do princípio transcendente, uma vez que dentro das próprias tradições monoteístas surgiram incessantemente correntes que, embora reconhecendo incondicionalmente a justeza do transcendentalismo, conferem um valor metafísico especial às realidades imanentes, sendo assim de fato solidárias com a posição "pagã". Temos em mente, antes de tudo, as dimensões esotéricas das religiões abraâmicas (sufismo e xiismo extremo no Islã, cabala no judaísmo e hesicasmo no cristianismo), onde o acento invariavelmente recai sobre a imanência da Presença Divina. Assim, sem ignorar a transcendência da transcendência, a imanência pode ser metafisicamente enfatizada.

Quais são as razões profundas que condicionam isto?

Uma resposta a esta questão crucial não apenas reabilitaria o paganismo, mas também iluminaria os lados mais misteriosos e secretos das tradições "não-pagãs". Em uma de suas palestras públicas, Geydar Dzhemal definiu precisamente este problema quando notou que existe uma oposição profunda, que determinou a dialética da história sagrada ao longo dos últimos milênios, entre o conceito abraâmico de fé como um ato volitivo superético voltado "daqui para lá", e o conceito "pagão" do Império como uma expressão da força divina imanente que corre "de lá para cá". A inspiração monoteísta mina os fundamentos imanentes do Império, enquanto a força "pagã" da sacralidade imanente, por sua vez, priva o monoteísmo de sua singularidade e natureza intransigente. Se a verdade metafísica do transcendentalismo é óbvia, então onde os pagãos encontram justificativa para suas doutrinas? Qual é o segredo do Império imanente?

Sem pretender oferecer uma exposição completa (muito menos exaustiva) deste problema mais complexo, vamos expressar algumas considerações que podem ajudar a esclarecer um pouco a essência do assunto. A esfera do imanente é sempre de fato uma esfera de multiplicidade, independentemente de a questão em mãos dizer respeito à multiplicidade real do manifesto ou apenas à dualidade primordial de ser e não ser inerente à mais alta região da ontologia, onde o ser puro confronta o transcendente e o não ser que o abrange. Toda esta esfera está sujeita à lei da "entropia metafísica", segundo a qual toda modalidade metafísica logicamente decorrente deve obviamente ser de qualidade inferior à anterior, ou seja, inferior no nível da "energia metafísica". O monoteísmo parte desta afirmação e afirma o princípio da unidade transcendente, que confronta todo o volume da multiplicidade imanente. Este princípio está organicamente ligado ao não-ser, já que o transcendentalismo se correlaciona inversamente com a esfera do imanente, o que significa no plano superior o ser puro que engloba e sintetiza tudo o que é imanente. Esta unidade apofática e negativa do não-ser é a resposta mais lógica e metafísica ao fato da "entropia". Permanecendo no quadro desta imagem da metafísica, afirmar qualquer outra coisa como uma realidade superior é simplesmente absurdo, pois isso equivaleria a negar a finitude do ser e negar a morte que, na realidade, existe como uma qualidade que domina todos os níveis metafísicos, com exceção do não-ser em si, que corresponde à essência mais profunda da própria morte. O ponto mais vulnerável do transcendentalismo é o próprio quadro fundacional da metafísica e seu postulado básico, o fato da entropia.

Muitas tradições "pagãs", especialmente as mais metafísicas - o hinduísmo - estão perfeitamente conscientes da lógica impecável da metafísica monoteísta, mas ainda assim evitam cuidadosamente o uso do termo "monoteísmo" em relação a si mesmas. Mas ao abandonar o polo superior do monoteísmo, elas também renunciam a seu componente imanente inferior, ou seja, a compreensão do ser como multiplicidade, como uma esfera de entropia. Ambos os polos são assim negados com a mesma persistência. No nível doutrinário, isto pode ser visto mais facilmente na relação de ambas as doutrinas com o surgimento do ser. O monoteísmo em todas as suas variantes está inevitavelmente associado ao "criacionismo", ou seja, a conceituação da criação como alienação. O paganismo, por sua vez, insiste invariavelmente no "manifestationismo", ou seja, no conceito de manifestação e na autodescoberta do princípio do ser. A essência da diferença entre estas duas tradições reside na determinação da relação entre o ser e sua fonte oculta no não-ser. O criacionismo argumenta que o ser (e em casos mais raros, o cosmo ou mesmo o universo visível) surgiu como resultado da separação de "parte" do não-ser, uma parte condenada desde o primeiro momento da criação a se relacionar com sua fonte em direção a algo diferente de si mesma. O criacionismo postula assim uma alteridade fundamental e "naturalmente inamovível", radical da criação em relação a seu criador transcendente.

O manifestacionismo, por outro lado, nega esta alteridade radical, em vez disso afirmando a unicidade e a substantividade do manifesto e de sua fonte imanifesta. Ser, aqui, não é entendido como metafisicamente parte do não ser precedente, mas como seu ser-outro, como seu meio de "existir" (naturalmente, a palavra existir aqui é usada aqui como uma metáfora não muito apropriada).

Assim, se no primeiro caso a essência muito desconhecível do Criador é a resposta absoluta e a conclusão absoluta da metafísica, então no segundo caso a supremacia da fonte de manifestação sobre si mesma é relativizada, e o problema do ser, na prática, não é anulado, mas permanece uma questão constantemente aberta (como na tese de Parmênides "O Ser não pode não ser"). Nesta perspectiva pagã, não há horizonte de morte, pois a morte não decide nada, mas apenas adia ou transfere a questão para um novo nível. As tradições pagãs enfatizam a consequência desta lógica interior como sendo um aspecto da transmigração dos seres que é condicionada pela inevitabilidade fatal do problema do ser, que não é anulada pelo retorno à fonte.

Esta abordagem não monoteísta não coloca o manifesto acima do não manifesto, mas apenas radicaliza a questão do objetivo da manifestação, sua missão, e a mensagem que contém. Leva esta questão aos seus limites finais. A finitude do ser não tem aqui nenhuma importância decisiva, uma vez que a não absolutidade dessa finitude é fixa e não dá nenhuma resposta satisfatória à razão e ao significado de sua emergência. Nesta perspectiva, o próprio ser deixa de ser o reino da queda e da entropia e torna-se a expressão de algum tipo de verdade especial, metafisicamente não óbvia. É justamente por esta razão que o princípio da unicidade perde assim todo seu significado e, de um horizonte transcendente redentor, transforma-se em algum tipo de afirmação evidente, uma afirmação do óbvio, do verdadeiro, mas do insuficiente. Por outro lado, a própria multiplicidade adquire um caráter puramente qualitativo: ela não é mais uma unidade diluída e "entrópica", mas o tecido da mensagem gnóstica, no qual cada detalhe e cada símbolo é importante e insubstituível. Assim surgem os "deuses", os "anjos" e os "mensageiros", os porta-vozes do evangelho especial, cujo remetente e destinatário permanecem metafisicamente desconhecidos tanto no ser como no não ser. Assim surge como a coroa da metafísica pagã a noção de "Atman", o sujeito, o "deus" vivo e imanente, o qualitativo que não pode ser esgotado pela determinação do ser ou não ser, aquele que participa de ambos, mas não é idêntico a um ou ao outro. O sujeito é a figura especial da tradição não monoteísta; é o centro da cosmovisão imperial, a concentração de sua essência.

Assim, o sujeito é o termo somativo e sintetizado do paganismo sem o qual a perspectiva pagã simplesmente perde sua razão de ser. Este tema coincide em essência com as duas outras modalidades enfaticamente imanentes da Tradição definidas pelos termos "espírito" e "luz". Não é coincidência que quando as doutrinas tradicionais enfatizam os termos "luz", "espírito" e "eu", estamos lidando com o que o monoteísmo frequentemente define como "heresia pagã" ou "heresia do paganismo". Isto pode ser visto nos nomes de vários grupos gnósticos, tais como a Irmandade do Espírito Livre, os Filhos da Luz, etc. Além disso, o próprio termo sânscrito Atman significa tanto "espírito", "eu", como "self". Também é curioso que, além da maldição do monoteísmo criacionista abraâmico contra "pagãos e gnósticos", até mesmo os zoroastrianos acharam que sua "gnose da luz" de Mani era "herética".

Entretanto, a "luz do sujeito" não é um análogo ou mesmo um sinônimo da "luz do ser". É uma luz completamente diferente de uma qualidade absolutamente diferente. É a "luz do problema" nascida do fato da coexistência do ser e do não ser, independentemente de esta existência ser real (ou seja, quando o ser é de fato) ou potencial (ou seja, quando o ser, na prática, é "já não" ou "ainda não"). O hinduísmo especifica que ao lado do Atman (o sujeito no ser) existe o Paramatman (o sujeito no não ser). Assim, o imanentismo gnóstico-"pagão" é um imanentismo de natureza totalmente diferente, que é irredutível a qualquer uma das modalidades atribuídas pelo monoteísmo.

Mas será que este imanentismo permanece realmente imanente? Afinal, em contraste com a ótica estritamente monoteísta, este imanentismo não pode ser satisfeito pelo membro transcendente da díade monoteísta (o criador) como o final e supremo metafísico. No entanto, não se segue que a criação não seja uma resposta final e exaustiva para o imanentismo. O imanentismo do "problema da luz" pode ser explicado pela necessidade de meramente fixar o próprio fato de ser, não permitindo assim que ele desapareça na lógica inexorável da "ética" monoteísta. Aqui o ser não serve mais que como "prova" da não absolutidade do ser, e tanto o ser quanto o não ser não estão mais divorciados (como no monoteísmo), mas são fundidos, tornando-se assim um e o mesmo polo do problema diante de um Outro completo, sem o qual e fora do qual este grande problema não existiria. Se assim for, então o imanentismo torna-se de fato uma expressão do mais alto e mais convincente transcendentalismo metafísico, no qual a qualidade transcendente é portada não pelo Criador monoteísta (que é metafisicamente idêntico ao não ser), mas por algo além dele mesmo, algo tão distante e grande que atribui a causa e efeito direitos metafísicos iguais, transformando assim ambos em apenas um polo inferior do problema que se torna o topo absoluto e inalcançável.

Nesta perspectiva, todo o complexo "pagão" (ou, mais precisamente, imanentista) adquire um significado totalmente especial. A manifestação e sua estrutura, que são acentuadas e profundamente decifradas pelo "paganismo", deixam de ser uma consequência não tão importante do Criador, que só tem um valor relativo e com certas reservas. Ao contrário, estas questões tornam-se o texto do problema que tem igual significado tanto para a criação quanto para o próprio Criador. Daí surge logicamente o objetivo de manifestação que, pelo próprio fato de sua presença (ou da possibilidade de sua presença), atesta (com os meios de princípios qualitativamente inferiores em relação ao princípio do não ser) a algo que é incomparável e eterno e que é superior a esse não ser.

É precisamente neste sentido que o universo "pagão" é teomórfico ou, mais precisamente, "angelomórfico". Seus elementos são essencialmente revelações do "mundo de luz" para além do não ser, além do Criador. Se examinarmos atentamente a qualidade deste universo angelomórfico, "pagão", vemos que não há oposição entre o pathos gnóstico "antidemiúrgico" e os acentos imanentistas do "paganismo". O "antidemiurgismo" dos gnósticos pode ser explicado pela rejeição da compreensão da atualidade do Criador como resposta única à questão do propósito da criação. Tal "antidemiurgismo" é polêmico e tem como alvo, antes de tudo, a metafísica monoteísta, a própria lógica fundacional desta metafísica. Nesta perspectiva, os gnósticos eram essencialmente transcendentalistas extremos. Mas a natureza negativa do demiurgo - ou, mais precisamente, sua completa insatisfação com a qualidade da resposta universal - não diminui nada na missão de manifestação, que em si mesma é o ataque gnóstico contra seu criador, seu autor. O sinal que é codificado no cosmos e adorado no "paganismo" é imanente e visualizado apenas como imanente. Mas este imanentismo "pagão" é na verdade equivalente em suas conclusões e em sua própria lógica e fonte de impulso ao transcendentalismo gnóstico. Afinal, não pode haver sugestão de que o não ser é insuficiente dentro de sua própria autoidentidade pura. Tal argumento só poderia ser elaborado a partir da profunda decifração de sua antítese (ser), que revela sua insatisfação por um lado (como Criador de algo imperfeito) e, por outro, revela certos potenciais transcendentes que permanecem problemáticos e escondidos sob o status quo metafísico, mas que também poderiam despertar na forma da dimensão luminosa do universo, como o espírito imortal ressuscitado, o eterno "Eu" do Salvador.

Os deuses do "paganismo" são os parâmetros subjetivos da manifestação. Eles não são tanto princípios autossuficientes e autossatisfatórios, como o Deus do monoteísmo, mas anjos no sentido etimológico, ou seja, "mensageiros", "espíritos". De acordo com esta lógica, João Teólogo, em seu evangelho mais esotérico, profere uma frase completamente estranha ao monoteísmo criacionista ortodoxo: "Deus é espírito". Dentro da estrutura do monoteísmo puro, tal rebaixamento do princípio, da fonte de todas as coisas espirituais e materiais, para uma única modalidade, para o espírito, soa como uma blasfêmia. Na perspectiva pagã, por outro lado, é difícil dizer algo mais verdadeiro e mais justo. Não é coincidência que tenha sido João Teólogo quem se tornou o patrono do esoterismo cristão europeu.

Na perspectiva cristã, o Espírito Santo é o Consolador, o Paráclito, o principal representante ôntico de outras hipóstases que estão ausentes em um dado momento. Por exemplo, antes da vinda do Filho Cristo, ele "fala através dos profetas". Após a Ascensão de Cristo, ele "consola e instrui" o mundo mais uma vez órfão. Somente graças a ele são realizados os mistérios da Igreja. O Espírito Santo do Cristianismo é a mais imanente hipóstase do Divino, e é a identificação desta hipóstase com a essência do Divino que é acenada pela fórmula de João Teólogo.

Finalmente, há um último aspecto metafísico do paganismo que deve ser enfatizado. Todo paganismo é necessariamente escatológico. Esta afirmação pode surpreender alguns, visto que contradiz exteriormente o acima exposto. Afinal, a abordagem "pagã" da metafísica não é obrigada a acentuar especialmente o problema do fim do mundo, o fim do ser, na medida em que a absorção da manifestação pelo princípio não só nada diz ao "paganismo metafísico", mas apenas "irritantemente" adia a resolução do grande problema sem acrescentar nada de substancial a ele.

Entretanto, há uma consideração fundamental que torna o escatologismo um componente necessário e extremamente importante da tradição imanentista como um todo, que de fato tem um lugar na maioria das tradições "pagãs" históricas, especialmente no paganismo ariano. O escatologismo das doutrinas imanentistas é radicalmente diferente da avaliação monoteísta positiva do fim do ser para ser o fim da ilusão e, como segue, um elemento da plenitude absoluta e inquebrantável no seio do princípio do não ser.

O paganismo prevê para o fim dos tempos não um retorno a uma unidade perdida na manifestação, mas um retorno à dualidade primordial. Não é por acaso que a ciclologia zoroastriana chama a etapa final da história sagrada de vicharishn, literalmente "separação". Somente no momento do contato entre ser e não ser é que o pagão revela toda a profundidade de sua doutrina, com todas as implicações paradoxais. Esta fronteira realizada no ponto final da manifestação é o ponto de partida para o questionamento do sujeito, que aqui só pode ver tanto as realidades metafísicas (tanto o ser exaustivo quanto o não ser incumbente) como algo que não o satisfaz principalmente, daí seu retorno à fonte que pode estar além do ser e do não ser.

No nível pragmático, o escatologismo é uma característica essencial do paganismo metafísico de pleno direito, já que o verdadeiro imanentismo da tradição autêntica não pode e não deve ser uma doutrina de absolutidade e não transcendência deste "mundo", o que o tornaria um materialismo antitradição e antinômico. Para o tema do imanentismo pagão, o ser não é a praia final buscada ou ou "paraíso". Ao contrário, ele é um símbolo do fato de que o não ser em si não é este "paraíso".

Assim, a tradição pagã não tem ilusões quanto à finitude do ser. Pelo contrário, esta finitude e não absolutidade, tomada e reconhecida como tal, é atrativa para esta tradição no ser. Assim, a escatologia torna-se naturalmente o centro da cosmovisão pagã, protegendo a metafísica pagã do fetichismo e do culto inercial do ser.

O verdadeiro Império "pagão", assim como o verdadeiro sujeito "pagão", são necessariamente escatológicos. O poder que emana "de lá", no qual repousa todo verdadeiro Império, não é uma afirmação banal da identidade do ser consigo mesmo. O componente "pagão" na metafísica está carregado com uma "energia" paradoxal e verdadeiramente transcendente que leva muito mais longe do que o poder impecável e único, porém limitado, da fé. Isto fica especialmente claro nos momentos críticos do desdobramento do ser, nos momentos escatológicos radicais - só então a metafísica pagã pode demonstrar plenamente seus fundamentos mais profundos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

República Artiguista Rio-Grandense: Declaração Histórica de Autodeterminação

Os Farroupilhas e os Farrapos

A Batalha pelo Cosmos na Filosofia do Eurasianismo