A Conjuntura Histórica do Hino Rio-grandense.


Joaquim José Mendanha (1800-1885), foi um músico e professor mineiro. Atuou na antiga Capela da corte carioca, mas foi demitido na redução dos quadros de músicos depois da volta de D. João VI a Portugal. Tornando-se conhecido também como o O Maestro negro a compor a primeira versão do hino nacional rio-grandense.

Em 11 de setembro de 1836, o general Antônio de Sousa Netto proclamou a República Rio-Grandense, após vencer a Batalha do Seival, próximo a Bagé, ocorrida durante Revolução Farroupilha (1835-1845). A partir deste ato, o conflito que tinha, a princípio, um caráter reivindicatório, combatendo o centralismo político do império brasileiro, os altos impostos sobre o charque, o couro e a propriedade rural, resultou na mais longeva guerra contra o Brasil.

Em 1837, o maestro Joaquim José de Mendanha assumiu, como regente, a banda do 2º Batalhão de Caçadores de Primeira Linha, que havia se deslocado para a Província de São Pedro (antigo nome da província oriental-riograndense sob domínio brasileiro) em apoio às forças imperiais. Em 30 de abril de 1838, o maestro se encontrava com sua banda, na Vila de Rio Pardo, quando o local foi atacado pelos farroupilhas. Neste importante combate, conhecido como o do Barro Vermelho, os revolucionários farrapos venceram e aprisionaram-no com sua banda.

Aprisionado o maestro e seus músicos tiveram tratamento cordial por parte dos republicanos, durante o tempo de prisão os farroupilhas aproveitaram a ocasião para exigir-lhes que compusessem um hino para a novel República Rio-Grandense. O maestro e sua banda, tendo acompanhado os farroupilhas durante um ano, diante da condição de prisioneiro de guerra, compôs o que lhe foi exigido.

“Nobre povo rio-grandense;

Povo de heróis, povo bravo;

Conquistaste a independência!

Estribilho:

Nunca mais serás escravo;

Da gostosa liberdade;

Brilha entre nós o clarão;

Da Constância e da Coragem;

Eis aqui o galardão;

Avante, ó povo brioso;

Nunca mais retrogradar;

Porque atrás fica o inferno;

Que vós há de sepultar!

Estribilho:

O majestoso progresso;

É preceito divinal;

Não tem melhor garantia;

Nossa ordem social!

Estribilho:

O mundo que nos contempla;

Que pesa nossas ações;

Bendirá nossos esforços;

Cantará nossos brasões!”

Em sua edição de 4/05/1839 o Órgão Oficial da República Rio-Grandense ‘O Povo’ (1839-1840) publicou uma letra do Hino Rio-Grandense, escrita pelo capitão farroupilha Serafim Joaquim de Alencastre, que foi tida como o segundo hino da república, conforme foi cantada na 2ª Capital Rio-Grandense, Caçapava, no baile em comemoração ao primeiro aniversário do Combate do Barro Vermelho, ocorrido, em 1838, em Rio Pardo. Esta versão é um pouca diferente da primeira letra, mas sua base é a mesma. O jornal “O Povo” denominou de “Hino da Nação”. E na presença de nomes importantes da República o “Hino da Nação” consolidou o nome do maestro Mendanha na história do Rio Grande do Sul. Não fosse em virtude de sua modéstia, talvez jamais seu nome fosse recordado, pois, tudo que pôde compor se perdeu ou perdeu sua identidade ao cair em domínio público, mesmo tendo passado para o campo do folclore. De acordo com o historiador Walter Spalding (1901-1976), em seu livro ‘Revolução Farroupilha’, publicado em 1987, p. 146:

“No horizonte Rio-grandense se divisa a divindade,
extasiada em prazer,
dando viva à liberdade.

Coro …

Da gostosa liberdade brilha entre nós o clarão;
da constância e da coragem eis aí o galardão.

Avante ó povo brioso nunca mais retrogradar,
porque atrás fica o abismo que ameaça vos tragar.

Coro …

Salve o vinte de setembro dia grato
e soberano dos heróis continentistas, ao povo republicano.

Coro …

Salve, ó dia venturoso risonho
Trinta de Abril, que aos corações patriotas encheste de gostos mil.

Em 1933, quando se iniciavam os preparativos para comemorar o Centenário da Revolução Farroupilha em 1935, o Instituto Histórico e Geográfico do RS (IHGRS) aprovou uma letra, que agradou o gosto popular, ficando esta como versão definitiva. O responsável, pela terceira letra do hino, foi o poeta e compositor Francisco Pinto da Fontoura (1793 -?), cuja alcunha era “Chiquinho da Vovó”.

A partitura desta versão já havia sido publicada no jornal ‘A Federação’ (1884-1937), do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), em 3 de dezembro de 1887. Em 1934, o professor e doutor Antônio Tavares Corte Real revisou a música composta pelo estro Mendanha, visando à adaptação dos versos de ‘Chiquinho da Vovó’.

No Diário Oficial da República em 7 de janeiro de 1966, em plena Ditadura Militar brasileira, a melodia e a letra foram oficializadas como Hino Farroupilha ou Hino Rio-grandense, de acordo com a Lei 5213, de 5 de janeiro de 1966, sendo cortada a segunda estrofe da letra original do ‘Chiquinho da Vovó’, pois a palavra ‘tiranos’, presente num verso, não agradou aos militares no poder.

“Entre nós reviva Atenas;

Para assombro dos tiranos;

Sejamos gregos na glória;

E na virtude, romanos.”

Outra questão que desperta polêmica é quanto aos versos presentes no estribilho do Hino Oficial, aos quais alguns críticos atribuem a presença de uma conotação racista, embora isto não se constitua numa opinião generalizada.

Algumas pessoas de má fé concluem que a estrofe registra que a ausência da virtude resulta em escravidão. E utilizam como justificativa para essa afirmativa errônea o negro, a exemplo o massacre dos lanceiros negros por parte do império brasileiro e a suposta traição dos oficiais farrapos que nunca foi comprovada.

Os críticos simplesmente ignoram o protagonismo dos negros na causa republicana rio-grandense, minimizando ou anulando o papel deles. Daqueles que resistiram e lutaram em busca de liberdade e pelo ideal republicano, como se fossem destituídos de virtude por serem escravos. Sendo que tal estrofe do hino, refere-se ao povo que não luta pela sua liberdade acaba se tornando escravo. O jornal ‘A Federação’ reproduziu esta letra em 3/12/1887. Segue a estrofe que gera discussão:

“Mas não basta para ser livre;

Ser forte, aguerrido e bravo;

Povo que não tem virtude;

Acaba por ser escravo.”

Durante um período, propagou-se que a música do Hino Rio-Grandense era baseada numa valsa de Johann Strauss (1825-1899). Esta ideia, após minuciosa pesquisa de Antônio Corte Real, doutor em Música pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi desconsiderada. Embora o hino tenha suscitado, no transcorrer do tempo, algumas polêmicas, é indiscutível o seu valor estético e sua importância para os gaúchos. O maestro negro, como ficou conhecido, legou-nos, por meio de seu talento, uma bela composição que é executada nas cerimônias mais significativas do pavilhão Nacional da República Rio-grandense, infelizmente, junto com o Hino do regime de ocupação brasileiro.

O hino:

“Como a aurora precursora
do farol da divindade
foi o vinte de setembro
precursor da liberdade
Coro …

Mostremos valor, constância,
nesta ímpia, injusta guerra,
sirvam nossas façanhas
de modelo a toda a terra.

Entre nós reviva Atenas
para assombro dos tiranos;
sejamos gregos na glória
e na virtude romanos.
Coro …

Mas não basta pra ser livre
ser forte, aguerrido e bravo;
povo que não tem virtude
acaba por ser escravo.”

Nota: O hino composto por Francisco Pinto da Fontoura, tem maior significado na alma popular. Pois era comum no século XIX, autores e poetas fazerem referências a história da Grécia e da Roma antigas. Pois, a palavra “Virtude” faz referência a valores espirituais helênicos e romanos. A “virtus” funcionou como uma ideia-chave no complexo sistema de valores e normas socioculturais dos gregos e romanos que sustentavam as suas atitudes sobre os atos deixados como exemplo em vida. Na mitologia romana, “Virtus” era a divindade da bravura e fortaleza militar, ou seja, quem não tinha a “Virtus” ao lutar pelo o que se acredita acaba sendo escravizado.

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