Lírios Brancos Para as Tumbas dos Heróis
Por Miguel Serrano - Em “Nem por mar nem por terra – A busca
em uma geração”.
Desde há anos, todos os dias 5 de setembro se efetua no
cemitério de nossa cidade uma homenagem aos rapazes que foram massacrados na
torre do Seguro Obrero. Também eram de nossa geração. Seus antigos camaradas
lhes recordam nessa data.
Faz alguns anos que fomos com um amigo neste dia ao
cemitério. Na entrada deram-nos alguns lírios brancos. Caminhamos pelos
tranquilos caminhos. O ruído de nossos passos se perdia por entre os mausoléus
e os verdes prados. Os lírios pareciam tochas de chamas brancas. Neste dia
visitamos muitas tumbas. Recorda-o, amigo, Juan Dérpich? Fomos até seu
camarada, Jaime Rayo, e ali deixamos um lírio. Estava muito alto, em uma tumba
solitária. E depositamos também outro, junto ao rosto de pedra de Barreto.
Depois, chegamos até o campo aberto, onde estão as tumbas pobres e aonde
repousam os mortos do 5 de setembro de 1938. Ali, em frente ao monólito
recordativo, estava Jorge González, o mesmo que traiu aos ideais dos mortos.
Pertencia a outra geração e estava, assim, separado da nossa por um abismo
insuperável. Se, por um momento subiu muito alto, foi unicamente porque o fogo
lhe incendiou; mas logo lhe abandonou, deixando-o com uma forma vazia e
fantasmal. Agora, levantava o rosto com sua face angustiada e buscava as
palavras. Mas os mortos já não estavam, a magia e o milagre haviam sido
negados. Nem sobre as grandes árvores, nem no claro céu flutuavam as sombras
dos heróis. Eles se foram para sempre.
Retornamos meditando se aquela peregrinação ao cemitério
havia sido um símbolo. Mortos e mais mortos; o passageiro do sonho, os
mártires, o poeta solitário, débil frente a um mundo hostil. Todos eles, por
diversos caminhos, saltaram à outra margem, cumprindo o destino de uma geração.
Os melhores de nossa geração. E relembrei outro ano em que, ao presenciar o
desfile das bandeiras, como um bosque de ondas silenciosas avançando pelas
ruas, me uni a eles e os acompanhei. Oscar Jiménez, que ali ia, perguntou-me:
“Gostaria de morrer conosco?”, “Sim”, lhe disse... Contudo, ainda vivo. Ainda
não morri. E, às vezes, penso que isso foi um erro. Porque, como eles, tampouco
sei viver. Não posso retirar o sentimento das lembranças. Por isso caminho
voltando-me. Quero chegar aonde eles aspiraram. Levanto-me cada dia de minhas
ruínas e devo conservar a fé em mim mesmo. Seguir, chegar, para que em mim
possam salvar-se os mártires e os suicidas. Porque um que chegue, basta para o
destino de uma geração.
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