O Pacto Histórico com a Pátria
Por Aleksandr Dugin
Ao analisar a relação existente entre a experiência da
Rússia Soviética e a ortodoxia marxista, correlacionando-as, Gramsci chegou a
uma conclusão deveras interessante: em determinados contextos históricos, é
possível ignorar a ausência das condições revolucionárias infraestruturais. Em
outras palavras, se houver uma Vanguarda Política composta por militantes
altivos, corajosos, fortes, inseridos dentro de uma força política (Partido), e
se a mesma for suficientemente consistente, é possível agir de modo alheio às
condições infraestruturais: uma vez que se tome o poder, essas condições
poderão ser estabelecidas.
Em certo sentido, tal ideia foi antecipada por Lênin em seu
O Estado e a Revolução (como assinalaria Trótski), isto é, a perspectiva da
tomada do poder em um país agrário para nele efetivar reformas, levando-o a um
padrão industrial e, simultaneamente, estimulando revoluções socialistas de
pleno direito em países da Europa Ocidental. Gramsci foi capaz de traduzir essa
realidade paradigmaticamente.
Para Gramsci, o leninismo é algo diferente do marxismo, uma
vez que se funda na tese (não)marxista de que o eixo da Vanguarda Política pode
agir antes de estabelecidas as condições de possibilidade concretas: noção que
é confirmada pela experiência russa e chinesa.
Gramsci prossegue em sua tese: no íntimo da superestrutura
existe uma outra dimensão: não-política, cultural – uma intelligentsia. E assim
como o Político, em alguns casos, pode ser abstraído do Econômico, tal
intelligentsia (esfera cultural) igualmente pode ser suturada da Economia e da
Política em determinadas circunstâncias. E uma vez que haja uma intelligentsia
que assuma o lado do Trabalho, ela poderá agir mesmo ausentes determinadas
condições econômicas, e mesmo não possuindo qualquer representação política em
termos governamentais.
Do ponto de vista de Gramsci, portanto, o intelectual não
depende da Política ou da Economia, mas do Pacto Histórico. Em outras palavras,
o intelectual fatalmente fará um pacto histórico com o Capital (colhendo seus
frutos, por conseguinte) ou, seguindo a via mais árdua, com o Proletariado –
com todo ele, independentemente de origens ou filiações partidárias (essa
escolha poderá ser feita pelo intelectual, mesmo que sua origem esteja na mais
alta burguesia ou mesmo que ele integre um partido burguês). O intelectual,
nesse sentido, pode passar a frente de certos processos políticos e econômicos.
Sobre esse tema, Gramsci levantou a questão da
responsabilidade do intelectual. Todos, segundo Gramsci, possuem algo de
intelectual em si, e o grau de humanidade de um ser é proporcional ao seu
intelecto: havendo muito intelectualismo numa pessoa, ela será uma intelectual
de pleno direito. Gramsci, deste modo, acreditava que o intelecto tem sua
justificação dada num âmbito completamente distinto do da política ou da
economia: a consciência humana faz sua escolha e, então, o intelectual envereda
por um pacto que independe do Partido e das bases econômicas, e que quase se
identifica com uma escolha religiosa: ao escolher o Capital, ele o servirá de
corpo e alma (independentemente do local ou de quem o patrocine) – ao escolher
o Trabalho, situa-se do lado da classe trabalhadora e, onde quer que ele
esteja, operará contra o sistema capitalista.
Isso funcionou bem no Ocidente, especialmente na década de
1960. Por exemplo, muitos funcionários de jornais burgueses, que recebiam
dinheiro de magnatas capitalistas, consideravam o ódio ao capitalismo um dever
(particularmente, isso levou ao Maio de 68).
Alain De Benoist concedeu bastante relevo a essas ideias na
década de 1970 e propôs o modelo para um “gramscismo de direita”. Ele convidou
os intelectuais europeus a realizarem um pacto histórico com suas identidades
(com a França, com a Alemanha, etc.), tomando-o nos termos de um sistema de
valores de oposição ao moderno e ao pós-moderno. De Benoist afirmou que não
importava se havia apoio, representação partidária ou recursos, em qualquer
país, um pacto histórico com a Tradição deveria ser firmado pelos intelectuais
que, em seguida, deveriam trabalhar nos jornais, realizar filmes, criar
poesias, até que o pacto histórico reverberasse e, por fim, algum êxito fosse
conquistado.
Isso está acontecendo agora na Europa, em grande parte
devido à eleição de Trump. Parte da elite intelectual europeia e americana
encontrou a força necessária para ir além da hipnose. Eles fizeram uma escolha
em favor da Tradição e da identidade. E o que os russos podem concluir disso?
Os pensadores russos devem estabelecer um pacto histórico com a Rússia e com o
Povo, com nossa identidade. Não importa em que estágio estamos ou de quem a
mídia toma partido. O pacto histórico com a identidade russa, a transição para
o lado russo deve ser realizado: isso é o salutar. A maneira como vamos
formalizar esse pacto não é relevante: um jornalista escreverá um artigo. Um
funcionário público levá-lo-á em consideração em sua tomada de decisão. Um
diretor realizará um filme. E no seio do Pacto, nossa dignidade intelectual e
espiritual.
Comentários
Postar um comentário