O paradigma da política russa: Realismo contra Liberalismo
Por Alexander Dugin
Primeiro, vamos analisar a cartografia primária do espaço político russo. Para uma ciência política correta, o mapeamento semântico tem que estar acima de tudo.
Todos os processos se dando na política russa, em geral, são vistas de forma muito aproximada.
Os detalhes se diferem em contraste, mas a imagem do todo está completamente borrada.
Eleições, indicações, casos criminais, escândalos de corrupção, o confronto entre grupos de poder, ataques e contra-ataques da oposição liberal ofuscam a imagem do todo com seu ritmo.
Covid, vacinações, uma mudança na estratégia de autoridades, propaganda, repressão e o relaxamento do regime sanitário borram ainda mais a visão. A falta de subsídios e, finalmente, o crescente confronto com o Ocidente, finalmente distorcem toda a imagem.
Antes de tomar uma análise especializada de qualquer fenômeno, evento ou tendência na política russa, é necessário tomar uma certa distância em relação aos seus cataclismos violentos – afinal de contas, eles parecem tão significantes quando se está perto, e assim você concorda com eles, suas participações diretas.
Sem a tal distância, a regra do escândalo ou histeria começa a operar – pequenas coisas crescem em proporções gigantescas, a escala das palavras, gestos, entonações crescem, ofuscando a mente, fugazes e aleatórias coincidências adquirem o efeito de “provas irrefutáveis”.
Vamos tentar sair desse ciclo histérico e resgatar o território confiável do pensamento por uma análise calma e balanceada.
A Rússia, como qualquer outro país, está em interseção das políticas doméstica e estrangeira. Esses dois lados não podem ser estritamente separados, já que eles se relacionam.
Assim sendo, a política interna e externa na Rússia são apenas relativamente esferas separadas, onde não estamos falando de processos isolados, mas apenas da predominância de certos fatores. Política doméstica é dominada pela doméstica, política estrangeira pela estrangeira. Mas tanto estes quanto aqueles vetores e forças ocasionalmente agem.
Sua interconexão entre interno e externo é mais claramente manifestada no fenômeno de liberais no poder, ou em outras palavras, da “sexta coluna”.
Diferente da “quinta coluna” que inclui militantes declarados contra o regime de Putin, ao mesmo tempo contra o próprio estado da Rússia, a “sexta coluna” é pessoalmente leal ao Putin.
A respeito dos componentes de poder e patriotismo de sua política, ele toma diametralmente a posição de opositor, geralmente perto da “quinta coluna”.
Tanto a oposição quanto os liberais no poder operam na política doméstica, ao mesmo tempo que estão proximamente conectados aos ciclos globalistas do Ocidente, e assim estão dentro das estruturas dos processos de política externa.
O Ocidente liberal possui alavancas de pressão na Rússia, não apenas quando se trata do destino da oposição da “quinta coluna”, mas também sobre a inviolabilidade da “sexta coluna”. A única diferença é que os oposicionistas abertos discutem alto e claro, enquanto a imunidade política dos liberais no poder – Chubais, Nabiullina ou Siluanov – é discutida com portas fechadas.
Há outra circunstância importante a ser levada em consideração: A Rússia não é apenas um estado-nação internacionalmente reconhecido, mas uma nação que busca ser um polo completamente independente, e esse é o vetor de toda a política de Putin nos últimos 21 anos.
Putin não está satisfeito com a soberania nominal e faz tudo em seu poder – ao largo do seu conhecimento dos processos de política global – para tornar a soberania russa absoluta. De muitas formas ele é bem sucedido.
Ao menos se comparado o momento atual ao momento miserável da Rússia nos anos 90, sob Yeltsin. Até mesmo se levarmos em consideração o quanto a Rússia é odiada e temida pelo Ocidente hoje, o aumento na subjetividade e soberania real ficam evidentes.
De tempos em tempos, Putin prova isso de forma concreta. Radicalmente através de frases como “A Crimeia é nossa” ou a salvação da Síria.
Com o crescimento da soberania, há também maior independência na política doméstica.
Esse é um processo natural: quanto menos dependência estrangeira no estado e sistema político, assim como na economia e tecnologia, mais autossuficientes são os processos políticos internos.
Do ponto de vista do realismo em Relações Internacionais, sem sombra de dúvidas, Putin se mantém nessa posição (consciente ou intuitivamente, isso é outra questão). Idealmente, a política doméstica deveria ser totalmente independente da política estrangeira. Isso acontece quando a soberania se torna absoluta e total.
Mas o Ocidente moderno e, acima de tudo, a elite globalista, que retornou para a Casa Branca com Joe Biden, após a época do realista Trump, aderem ao exato oposto – Liberalismo e Relações Internacionais (IR). Isso significa que para eles o objetivo é oposto, fazer a política interna de qualquer país mais dependente e transparente o possível dos fatores externos, isso é, de estruturas supranacionais.
Para os liberais do Ministério da Defesa, soberania não é uma benção, mas o mal e “um obstáculo ao progresso humano, democracia global e desenvolvimento social”. No limite, para os liberais, a integração da comunidade global deve chegar ao estágio quando um Governo Mundial será estabelecido em vez de estados-nações. Isso não é uma “teoria da conspiração”, tudo está escrito em qualquer literatura de Relações Internacionais.
A União Europeia é só a construção de uma escala deste Governo Mundial – mas apenas numa escala europeia local – esse é o protótipo. Outras instituições supranacionais como a Corte Europeia de Direitos Humanos, O Tribunal de Hague, etc., realizam a mesma tarefa.
A Rússia de Putin, com ênfase constante na soberania e seu realismo, é vista como um sério obstáculo pelos globalistas liberais. Quanto mais autônoma a política doméstica da Rússia se torna, mais os globalistas liberais do Ocidente tentam fazer pressão em Putin.
Nós vemos o mesmo em outros países defendendo sua real soberania – como na China, no Irã, Turquia ou Bielorrússia.
Entre eles, em termos de potencial agregado, é comparada apenas com a China (ao mesmo tempo que a China está à frente de nós em Economia e Demografia, mas nós somos os líderes no campo de armas, na geografia e na posse de recursos naturais).
Sendo assim, a tensão entre a Rússia de Putin e o Ocidente liberal é estrutural. É a tensão que determina todos os processos significantes na política russa. Essa tensão entre liberalismo global e soberania nacional é o segredo para uma análise política significativa.
A estrutura semântica da política russa é reduzida a essa contradição fundamental entre o liberalismo e o realismo. Nós iremos explicar esse fenômeno apenas quando chegarmos nesse nível.
Os grandes tópicos de discussões serão incluídos a seguir:
A transição de poder de Putin a um ou outro sucessor.
As próximas eleições parlamentares.
As remodelações da Administração do Presidente ou do Governo.
As reações à pandemia e vacinações.
O estado das relações inter-étnicas.
Os processos em regiões da Rússia.
O confronto entre as torres do Kremlin.
Mensurações e métodos de supressão da oposição (em particular, a ênfase em agentes estrangeiros).
Estratégias e principais objetivos de repressão política.
Apontamento de certas figuras para postos chaves.
A política de mídia das autoridades e da oposição.
As principais tendências na cultura.
Políticas da igreja.
Todo o mais.
Entre isso e o que nós observamos diretamente há um complexo – de um modo Bizantino intrincado e refinado – labiríntico de intriga, disputas de poder, recursos, influência e as mais complexas conspirações e intrigas, competições da indústria, mecanismos de corrupção intrincados e crime puro.
Se não tomarmos em conta o principal algoritmo – realismo vs. liberalismo, soberania vs. globalização, você pode ter a falsa impressão de que estamos lidando com o caos, mas esse não é o caso.
Fonte: tg-channel Nezygar @russica2 https://t.me/russica2
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