Primo de Rivera e Durruti: Um Único Destino Trágico pela Espanha
Por Amerino Griffini
No dia 20 de novembro
se recordam dois assassinados da Guerra Civil Espanhola, tendo lutado em lado opostos,
o falangista José Antonio Primo de Rivera e o anarquista Buenaventura Durruti.
Para os cérebros superficiais, posições irreconciliáveis, mas a história é
sempre mais complexa e a realidade é que a distância ideológica entre
falangistas e anarquistas espanhóis não era tão grande como se pensa hoje em
dia.
20 de novembro de 1939. No terceiro aniversário da execução
de José Antonio Primo de Rivera, o corpo do fundador e líder da Falange
Española inicia uma longa jornada de Alicante até o Escorial em Madri.
Levado sobre os ombros dos falangistas em camisas azuis, em
um caixão envolto na bandeira vermelha e preta do movimento, ele faz a viagem
de 480 km do local de sua execução até a cripta do Mosteiro de El Escorial, o
Panteão espanhol.
Os falangistas marcham dia e noite, à luz das tochas,
tambores e sinos das cidades por onde passa a procissão, em meio a multidões
cantando “Cara al Sol” e cantos gregorianos, levantando seus braços na saudação
fascista.
Acolhendo-o no Escorial, junto com as personalidades do novo
governo e os embaixadores dos países estrangeiros, estão os representantes dos
movimentos “fascistas” da Europa e as camisas viejas sobreviventes, as da
Falange original, o grupo que nas eleições de fevereiro de 1936 havia reunido
apenas cinquenta mil votos em toda a Espanha (segundo o historiador Stanley
Payne os filiados registrados em fevereiro de 1936 eram de 5-8 mil, a maioria
deles estudantes) e que no início da guerra civil, cinco meses depois, contava
com 126 mil militantes da Primera Línea (60% dos quais caíram durante a
guerra), representando um quadro social que havia crescido para mais de dois
milhões em 1939 (580 mil dos quais eram mulheres da Sección Femenina).
Segundo o historiador Hugh Thomas “nenhum partido sofreu um
massacre comparável ao da Falange” e ao mesmo tempo, no final da guerra,
“nenhum partido tinha crescido tão rapidamente quanto a Falange”.
José Antonio foi fuzilado na prisão de Alicante em 20 de
novembro de 1936, quatro meses após o início da guerra civil. Ele estava lá
desde antes da revolta franquista e era o único membro da Junta Política ainda
vivo.
Nos primeiros meses da guerra, de fato, todo o núcleo
dirigente da Falange havia desaparecido, assassinado, quase todos jovens com
menos de trinta anos: em julho Onésimo Redondo, o intelectual fundador das JONS
(as Juntas de Ofensiva Nacional-Sindicalista) havia caído numa emboscada
enquanto conduzia um grupo de falangistas em direção ao Alto de Léon.
Em 23 de agosto de 1936, uma turba liderada por milicianos
comunistas invadiu a Prisão Modelo de Madri e assassinou 70 presos políticos
(dos aproximadamente 3 mil políticos da prisão), incluindo Fernando Primo de
Rivera (irmão de José Antonio preso em 13 de julho) e o membro da Junta
Política, Julio Ruiz de Alda (aviador transoceânico e criador da estrutura
organizacional da Falange, na prisão desde março).
No início de novembro, Alejandro Salazar, secretário do SEU,
o sindicato universitário falangista, que também havia assumido a liderança da
Falange e era o único membro da Junta Política ainda em liberdade, também foi
morto.
Demonstrando o papel desempenhado pelos comunistas na Guerra
Civil espanhola, que também estavam comprometidos em eliminar gente da
esquerda, como os anarquistas, sua determinação também foi claramente vista no
ataque à Prisão Modelo em Madri; de fato, no massacre, assim como os
falangistas, líderes políticos de centro e esquerda, deputados, senadores e
ex-ministros que haviam sido presos após o Alzamiento também foram mortos.
Entre eles também José Maria Albiñana (membro da Academia
Real, professor universitário e fundador do Partido Nacionalista Español);
Melquíades Álvarez, jurista republicano e fundador do Partido Reformista; José
Martínez de Velasco, deputado das Cortes pelo Partido Liberal Democrata,
ex-ministro do Governo Republicano de Lerroux e prefeito de Madri em 1934;
Ramón Álvarez-Valdés, deputado reformista e ex-ministro da República; Manuel
Rico Avello, também ex-ministro e deputado da Agrupación al Servicio de la
República.
Algumas horas após o massacre, o chefe do PSOE (o poderoso
Partido Socialista Operário Espanhol), Idalencio Prieto, disse: “Nesta noite
perdemos a guerra”.
Mas o massacre continuou; um “tribunal do povo” condenou à
morte três ex-ministros do Partido Radical: Salazar Alonso, Abad Conde e Rafael
Guerra del Rio, acusados sem provas de auxílio à sublevação.
Os falangistas, uma minoria ativa difícil de classificar
segundo as classificações convencionais (Direita, Esquerda, Centro) também
devido à origem política de muitos de seus líderes que não poderiam ser
acusados de serem “reacionários”, estavam entre os mais interessados nas
“atenções” eliminatórias do Partido Comunista, que certamente não apreciava o
fluxo de camaradas em direção ao movimento Falangista: ex-líderes da juventude
do Partido Comunista Espanhol como José Miguel Guitarte, Enrique Quesada, José
Garcia Vara ou mesmo um dos maiores líderes da juventude comunista como Montero
Diaz, que passou do marxismo revolucionário ao falangismo; ou Manuel Mateo
(morto em 1936) que havia sido membro do Comitê Central do PCE, responsável
pela organização do partido e seu secretário em Madri. E de várias correntes de
esquerda também vieram outros líderes falangistas como o jovem professor Garcìa
Valdecasas; antigos líderes da CNT (Confederación Nacional del Trabajo, a
grande organização de sindicatos anarquistas) haviam sido Nicasio Alvarez de
Sotomayor, Guillen Salaya, Olalla, Pascual Llorente; das fileiras do trotskismo
veio Carlos Rivas Villar; outros do sindicalismo revolucionário…
Os intelectuais também pagaram um pesado tributo de sangue nesses
primeiros meses.
Enquanto na zona “nacional” a Guarda Civil matou o poeta
Federico Garcia Lorca, que se refugiara em Granada na casa de um de seus
melhores amigos, o poeta falangista Luis Rosales, na zona republicana foram
mortos o filósofo Ramiro Ledesma Ramos, ideólogo da Falange; o poeta, expoente
da Geração de 98, Ramiro de Maeztu Whitney; o tradicionalista ensaísta da
revista “Acción Española”, Victor Pradera, assassinado junto com seu filho. …
apenas para mencionar alguns da longa lista.
É um fato que a Falange, no sangrento outono de 1936, já
estava decapitada. Sem nenhuma personalidade nacional. Sem dirigentes capazes
de dar ordens aos militantes, com apenas líderes locais, muitas vezes muito
jovens, muitas vezes obrigados a tomar decisões políticas e ideológicas
importantes.
Uma espécie de congresso de líderes territoriais e locais se
reuniu com urgência em Valladolid e elegeu um Conselho Naconal Executivo
provisório liderado por Manuel Hedilla (um operário que, no final da guerra,
seria condenado à morte por Francisco Franco – uma sentença posteriormente
comutada em prisão perpétua – por se recusar a dissolver a Falange fundindo-a
com o Movimento Nacional, de orientação franquista; um destino semelhante se
abateu sobre os carlistas com seu líder, Fal Condé, forçado a se refugiar em
Portugal).
Em 19 de julho um comando de 50 jovens falangistas tentou
chegar a Alicante para libertar José Antonio, mas foi interceptado e capturado
(todos foram então fuzilados em 12 de setembro).
Dada a personalidade e a fama internacional de José Antonio,
uma execução sumária teria sido bastante improvável, e de fato ele foi
submetido a um julgamento farsesco cuja sentença já estava escrita, no qual ele
foi acusado de ter participado do Alzamiento.
Em sua autodefesa, José Antonio argumentou que o movimento
não estava nem à direita nem à esquerda e que a prova clara de sua extraneidade
ao golpe era o fato de que os militares que participaram da conspiração em
Alicante não haviam feito nada para tentar libertá-lo.
A sentença foi de morte para José Antonio, 30 anos de prisão
para seu irmão Miguel e 6 anos para sua esposa, Margarita Larios.
Houve uma mobilização internacional para tentar salvar a
vida do líder falangista; o Presidente da República Argentina, até mesmo o
Foreign Office com o embaixador britânico, a pedido da Senhora Asquith, filha
do ex-primeiro ministro britânico, amiga e admiradora do jovem líder espanhol;
um pedido de graça também veio do governo francês liderado por Léon Blum – um
dos líderes da Internacional Socialista – através do Ministro das Relações
Exteriores.
Tudo foi em vão, ao amanhecer do dia 20 de novembro de 1936
José Antonio Primo de Rivera foi fuzilado diante de um muro no pátio da prisão
de Alicante junto com outros quatro jovens (dois falangistas, Ezequiel Mira
Iniesta e Luis Segura Baus, e dois réquétés carlistas, Vicente Munoz e Luis
Lopez).
José Antonio pôde se confessar com Dom José Planelle, um
padre que foi fuzilado com outros 52 prisioneiros alguns dias depois; depois,
após encorajar seus companheiros de martírio, ele gritou “Arriba España!” e caiu
com eles.
Todos foram enterrados em uma vala comum.
A partir desse momento, para os falangistas José Antonio
seria “el Ausente” e sua escolha de campo na guerra civil também seria clara,
mesmo que muitas vezes eles fossem vistos com desconfiança pelos franquistas,
muitas vezes chamados de “FAI-langistas” (por causa das relações que existiam
entre falangistas e anarquistas da FAI) ou mesmo… de “nossos vermelhos”.
No início de abril de 1939, após a vitória dos “nacionais”
na Guerra Civil, o corpo de José Antonio foi desenterrado na presença de seu
irmão Miguel. O corpo estava intacto.
Embrulhado na bandeira da Falange, ele foi novamente
tumulado provisoriamente até a longa viagem ao Escorial, com a qual comecei
esta lembrança.
Mas nesta data de 20 de novembro (1936) gostaria também de
recordar o assassinato de um dos líderes da milícia anarquista, Buenaventura
Durruti, que havia chegado recentemente à frente de guerra em Madri liderando
uma coluna anarquista da CNT de 4 mil milicianos.
Sua morte ainda é um mistério; uma versão semioficial a
atribui a uma bala perdida disparada da Cidade Universitária, outra até mesmo a
um disparo de sua própria metralhadora quando ele estava saindo de seu carro.
Mas a hipótese mais provável é que ele foi eliminado pelos comunistas
italianos, especialistas nestas operações de assassinato não só contra
anarquistas espanhóis e de outros países, mas também na eliminação de italianos
como os escritores anarquistas Camillo Berneri e Francesco Barbieri.
Naquele fatídico 20 de novembro, com a morte do combatente e
líder anarquista Buenaventura Durruti também terminou a trágica história da
família Durruti; alguns meses antes, de fato, em 23 de agosto, no massacre dos
prisioneiros na prisão Modelo de Madri, também foi eliminado o falangista Pedro
Durruti, irmão de Buenaventura, cujo funeral permanece memorável como o de José
Antonio Primo de Rivera. Durante todo o dia uma procissão anarquista marchou
pelas ruas de Barcelona e à noite – escreve Hugh Thomas em sua monumental
História da Guerra Civil Espanhola – “uma multidão estimada em 200 mil pessoas
jurou permanecer fiel aos princípios do morto. Mas a morte de Durruti marcou o
fim da era dourada do anarquismo espanhol. Um poeta anarquista proclamou que o
nobre exemplo de Durruti daria origem a uma “legião de novos Durrutis”; mas ele
estava errado.
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